São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
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Mãos à obra, presidente

OSIRIS LOPES FILHO

O sucesso da visita do presidente Fernando Henrique aos EUA, a sua consagração como estadista das Américas fazem-me lembrar um ditado que aprendi muito cedo lá no Espírito Santo: santo de casa não faz milagres.
As últimas visitas do presidente a algumas cidades brasileiras não foram agradáveis.
Foi um anticlímax, a quem foi ungido com eleição no primeiro turno, com 34 milhões de votos. Tais votos, se afiançam a política de reformas, como mencionado tantas vezes pelo presidente, não lhe dão imunidade às vaias.
Mas justiça seja feita. A mensagem levada pelo presidente aos EUA foi inovadora. Nada da tradicional lengalenga de pedir dinheiro, de viagens anteriores de outros presidentes. Nada de pires na mão ou chapéu estendido. Mudou.
Desta vez não se foi pedir, mas oferecer. As reformas constitucionais propostas pelo presidente realmente abrem horizontes paradisíacos ao capital alienígena.
A flexibilização (que beleza de eufemismo) e as reformas propostas à ordem econômica e à Previdência compõem um cardápio apetitoso para o lauto e pantagruélico banquete oferecido ao capital estrangeiro.
Petrobrás, Eletrobrás, Telebrás, Vale do Rio Doce, Previdência Social, que serão abertas ao capital privado, ocupam áreas estratégicas a suscitar atrações irresistíveis aos aplicadores estrangeiros.
Finalmente, a meta há longo tempo desejada pela tecnocracia econômica vai ser alcançada. Haverá mudança nos fluxos de capital. Vai ficar superada a fase predatória do capital especulativo estrangeiro, pela fixação de raízes aqui do capital de investimento. Sem riscos, pois as áreas a serem abertas são lucrativas.
A fala do presidente na última quarta-feira foi perfeita. Ainda motivado pela consagração da visita aos EUA, comunicou-se da forma em que é inexedível: a fala coloquial. E fez uma breve afirmação, que me cativou: "Precisamos modificar outros artigos da Constituição, porque eles são injustos. Na área tributária, é injusto que os mais ricos paguem pouco imposto, enquanto os assalariados pagam muito".
É o retorno do discurso social da campanha eleitoral. Para que se dê consequência prática ao afirmado, mas principalmente para que a autocrítica feita pelo ministro Sérgio Motta acerca da "masturbação sociológica" não se confirme em nhenhenhém onanístico, me animo a fazer uma sugestão ao presidente. Se o caminho é o da reforma da tributação, se é para pegar os ricos, que ele dê seguimento ao seu projeto de lei de criação do Imposto sobre Grandes Fortunas, apresentado quando era senador.
Ele tem uma característica explícita. Impede a tributação da classe média e dos trabalhadores, como sempre tem ocorrido, em face da exigência de magnitude da fortuna. Efetivamente, só as grandes riquezas seriam tributadas. Seria inovadora a criação do imposto que, pelo menos desta vez, não alcançaria os trabalhadores e a classe média.
E a vantagem é a de que não se precisa alterar a Constituição. Basta disciplinar, por lei complementar, a competência atribuída à União para instituí-lo.
O quorum exigido é mais cômodo do que o das emendas à Constituição e, afinal, poder-se-ia dar-lhe uma destinação não-orçamentária, evitando-se que seja aplicado no atendimento aos gastos gerais da União.
Dar-se-ia destinação específica ao seu produto da arrecadação. Seria destinado à aplicação em programas objetivando diminuir as desigualdades de renda e riqueza existentes no país.
A influência da tributação francesa, se é para tê-la, é mais adequada à nossa realidade social no campo do imposto de solidariedade social, substituto do imposto sobre a fortuna, do que no âmbito do imposto do valor agregado, que tem encantado tardiamente alguns tecnocratas autoritários de Brasília.

OSIRIS DE AZEVEDO LOPES FILHO, 55, advogado, é professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal.

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