São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
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Um brasileiro dá ordens na globalização

ROGÉRIO SIMÕES
DE LONDRES

Em um canto da sala do escritório do gaúcho Flavio Bartmann, 42, na sede londrina da corretora americana Merrill Lynch, há uma velha bandeira do Brasil da Copa do Mundo de 1938.
Ela parece estar ali apenas para lembrar que ele é uma solitária estrela brasileira na constelação reluzente da economia globalizada.
A Merrill Lynch é a maior corretora dos EUA. No ano passado, ela faturou US$ 9,6 bilhões e conseguiu o segundo maior lucro da sua história -US$ 1 bilhão.
Bartmann está no topo de uma nova ordem onde o mundo todo não passa de um pequeno mercado totalmente interligado. A inevitável (e temida) globalização da economia é o seu pão de todo dia.
Um item de seu currículo, involuntariamente, levou o engenheiro do ITA a se valer das aulas de matemática e estatística para entrar em sintonia com as exigências de uma atividade onde saber calcular os riscos é tudo -como é o caso dos derivativos, uma das mais intrincadas operações financeiras surgidas nos últimos anos.
Um operador do tradicional banco britânico Barings, no Oriente, por exemplo, calculou mal seus riscos e levou a instituição à falência. Embora já utilizados há mais de uma década, os derivativos ganharam notoriedade recentemente. Baseiam-se numa série de operações casadas, envolvendo cotações futuras de moedas, mercadorias ou ações, com o intuito de criar proteções contra desvalorizações cambiais, quedas de preços, quebra de Bolsas etc.
O mercado mundial de derivativos é estimado em mais de US$ 20 trilhões. O doutor em matemática e estatística Flavio Bartmann não tem dúvida sobre a utilidade de um profissional com seu perfil num mundo como este: "Se estivesse aqui alguém com formação em direito ou mesmo economia, estaria perdido", diz.
Embora não revele quanto ganha por ano, na City estima-se que um executivo em sua posição receba cerca de US$ 500 mil, entre salário e bonificações.
Com apenas nove anos de experiência no mundo financeiro, Bartmann considera-se quase um veterano. Foi um dos primeiros com formação em matemática e engenharia a entrar para o mercado de derivativos. Sua vida acadêmica levou-o primeiro à Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e depois a um doutorado no Imperial College -concluído, em 1981, na Universidade de Princeton.
O salto para o mercado financeiro, iniciado no banco J.P. Morgan em Nova York, foi precedido de uma passagem pelo Departamento de Estatística na Universidade de Columbia, na mesma cidade, sua última experiência numa instituição acadêmica.
Bartmann está na Merrill Lynch há sete anos. Ele define sua rotina de trabalho como "simples". Em sua pequena sala no quarto andar do prédio da corretora, passa a maior parte do tempo ao telefone, lendo relatórios sobre o desempenho da sua equipe ou atento à tela de seu computador, que funciona como uma janela para o mundo.
Através dele, Bartmann acompanha não só a evolução dos mercados internacionais, mas se mantém informado sobre os últimos acontecimentos mundiais, por meio das agências de notícias.
Ter sua própria sala no banco, diz ele, é um privilégio em uma atividade onde os operadores de mercado costumam trabalhar em uma mesma bancada. Mas as quatro paredes podem não significar muita coisa: "Tem gente que tem apenas uma mesinha no canto e faz US$ 2 milhões em um ano".
A porta da sua sala o separa do grande espaço onde operadores, atentos a monitores e sempre com o telefone na mão, lutam em busca do dinheiro do mercado.
A cada dez metros, há um painel eletrônico que informa os horários de Nova York, Londres e Tóquio. Como a Merrill Lynch está presente nas três capitais, o banco funciona 24 horas por dia.
Bartmann viaja uma vez por mês para passar dez dias em Nova York, onde também tem um escritório. A cada três meses, confere as operações no Japão.
As viagens de negócios acabaram afastando-o do Brasil, onde esteve pela última vez em maio de 1994. "Viajando da maneira como eu viajo, a última coisa que você quer é andar 12 horas de avião para ir a algum lugar", diz.

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