São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O descaso com os juniores

SÍLVIO LANCELLOTTI

Talvez eu estrague uma surpresa. Preciso contar, porém, que a família Moedin está preparando, ainda hoje, uma formidável churrascada de recepção ao seu garoto Zé Elias, um dos bravos da seleção brasileira de juniores.
Espero que outros pais acolham com o mesmo carinho o retorno dos seus filhos, vice-campeões do mundo. Em contrapartida, torço para que alguma espécie de purgatório aguarde a volta de Jairo Leal e da cúpula da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Parece inacreditável, mas, depois de quase um mês de Qatar, Zé Elias e seus colegas terão o que comer. Eu não exagero, não. Por incúria da CBF, que não se preocupou em programar corretamente a viagem dos juniores, houve jogador do Brasil que passou fome na sua concentração.
Nos primeiros dias, o elenco de Jairo Leal ainda testou o cardápio da região. Logo, todavia, os juniores do Brasil se indispuseram com os pratos e com os temperos. Numa determinada data, o atacante Reinaldo literalmente vomitou um almoço e, desde então, decidiu fugir da alimentação oferecida.
O fato explica, de certa maneira, por que razões Reinaldo esteve tão mal no torneio. Nem mesmo água mineral, caríssima no Qatar, os juniores do Brasil podiam tomar. Sobraram a eles a mera chance de beber refrigerantes, às vezes fornecidos de graça por um dos patrocinadores da competição. Sabe-se que os refrigerantes não servem para a reposição dos líquidos perdidos no esforço físico.
Em muitas ocasiões, com alguns dólares economizados, Zé Elias e o avante Caio sustentaram a fome dos companheiros, comprando-lhes o que havia ao seu alcance -pacotes de batatinhas fritas. Também se sabe que as batatinhas fritas não nutrem atletas em busca de um título de campeão.
Omisso por temperamento ou por estilo, Jairo Leal pouco atentou para o drama de seus supostos comandados. Pior, nas laterais do gramado, quando lhe cabia ministrar alguma instrução, se limitava a pérolas do tipo: "Você tem 15 minutos para se consagrar" ou "Entra no campo que Deus vai te proteger".
Obviamente, depois destas e de outras revelações escabrosas, choverão da CBF os desmentidos de plantão. Da cúpula atual da entidade ninguém pretende uma justa autocrítica. Que a CBF, porém, ao menos tenha a dignidade de não punir um de seus garotos pelo desvendamento da incompetência de Jairo Leal e companhia.

Texto Anterior: Bragantino atua com desfalques na defesa
Próximo Texto: Notas
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.