São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
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Drogas e crime

Crime é assunto de polícia, certo? Mais ou menos. Os números relativos ao crime organizado apresentados hoje na Folha mostram que a proliferação das máfias -com destaque para sua atuação no narcotráfico- já se tornou um problema global, com sérias implicações econômicas, políticas e sociais.
O FMI calcula que o crime organizado lave, por ano, US$ 750 bilhões, ou seja, algo próximo de tudo o que o Brasil produz em um ano e meio. As principais máfias têm um índice invejável de crescimento. Acredita-se que seu faturamento global cresça cerca de US$ 100 bilhões ao ano.
Uma quantidade tão fabulosa de dinheiro é capaz de enfrentar -e vencer- mesmo os melhores aparatos policiais. Os EUA gastaram, em 94, US$ 67 bilhões em repressão ao narcotráfico, programas de prevenção e tratamento de drogados. Os resultados não podem ser considerados um sucesso. Segundo o Departamento de Estado norte-americano, 77 milhões dos 260 milhões de habitantes do país já consumiram drogas; 2,7 milhões o fazem regularmente. O uso de entorpecentes está vinculado a 1/3 dos casos de Aids e a cerca de 500 mil emergências médicas por ano.
A Rússia, após o colapso da União Soviética, foi virtualmente dominada pelas máfias. Relatório do Ministério do Interior russo de 93 informa que 40% dos negócios privados e 60% das estatais são controlados por quadrilhas. Segundo o general Aleksandr Gurov, da polícia de Moscou, o crime organizado detém hoje quantias equivalentes a 40% do PIB do país.
O Brasil não está alheio a esse fenômeno. O Departamento de Estado dos EUA acredita que a maior parte da cocaína produzida pelos cartéis colombianos seja escoada por solo brasileiro. O país já está entre as sete nações que mais lavam o dinheiro das drogas.
De resto, o quadro de violência e corrupção que rasga a nação, em boa parte alimentado por recursos do narcotráfico, não deixa dúvidas quanto à gravidade do problema.
Dos US$ 750 bilhões movimentados pelo crime organizado, cerca de US$ 500 bilhões são gerados pelo narcotráfico. Um quilo de cocaína custa, na Colômbia, US$ 16 mil. Chega a Nova York valendo US$ 150 mil, quase dez vezes mais.
Com lucros tão fantásticos e com a globalização das máfias não seria exagero afirmar que, dentro em pouco, o crime organizado será capaz de tudo: comprar juízes e autoridades, desestabilizar governos e assassinar quem quer que deseje.
Uma ação mais coordenada das polícias de todo o mundo é por certo desejável, mas parece insuficiente para fazer frente ao tráfico internacional. Basta lembrar que o orçamento da Interpol é de US$ 30 milhões por ano, cerca de 200 kg de cocaína em Nova York. A produção anual dos cartéis é estimada em 340 toneladas.
Diante desse desafio, é preciso encontrar novas alternativas, sob o risco de os barões da droga se assenhorarem do mundo.
Vem crescendo o número dos que defendem a descriminação das drogas. Os problemas dessa proposta são muitos e fáceis de imaginar. Seus advogados, entretanto, alegam que, legalizados, os entorpecentes já não proporcionariam lucros tão grandes para os traficantes, tendendo a diminuir o imenso poderio do crime.
Dizem ainda que as receitas obtidas com a cobrança de impostos sobre os tóxicos poderiam ser usadas na prevenção e no tratamento, com melhores resultados do que os obtidos pela simples repressão.
Trata-se sem dúvida de uma tese ousada, que ainda tem de ser amplamente debatida. De qualquer forma, os governos de todo o mundo precisam encontrar novas estratégias e abordagens para fazer frente à terrível ameaça representada pelo perverso processo de globalização do crime.

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