São Paulo, domingo, 30 de abril de 1995
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O isolamento e a violência

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

Nada mais difícil que explicar o por que de tanta violência no mundo atual. Isso é um desafio enorme para os mais competentes psicólogos, sociólogos e advogados penalistas. Por isso, não seria um engenheiro de metalurgia, como eu, a pessoa mais indicada para identificar as causas das chacinas de Okhlahoma, Tóquio, Madri e Ruanda, entre outras.
As minhas "teorias" nesse campo são de algibeira. Tanto que, comentando o assunto com o meu amigo Matias, agricultor de médio porte que, como a maioria da gente do interior, é um homem perspicaz e inteligente, aprendi uma lição importante.
Ele me contou que, há poucos dias, ao olhar para os lados no estádio onde estava, verificou ser quase o único torcedor presente ao jogo de futebol a que fora assistir. O resto da torcida ficou em casa, assistindo a partida através de vários canais de TV.
O mesmo ouvi de uma amiga que diz ter medo de ir ao cinema, nos dias atuais, porque a maioria dos amantes dos filmes assiste-os nos aparelhos de vídeo em casa.
O pesquisador Robert Putnam, que tem escrito sobre o futuro das democracias, demonstra que, de fato, a tecnologia moderna vem isolando o ser humano de modo acentuado. Esse isolamento não se limita à TV e vídeos. O autor vem registrando uma enormidade de pessoas nos Estados Unidos que, hoje em dia, se entretêm com baralho sozinhas, interagindo horas e horas com a tela dos seus computadores. Há até o caso dos que jogam boliche sem parceiros. Sem falar nos que bebem de maneira solitária nas mesas dos bares, parques e praças públicas.
Não há dúvida: O mundo moderno está criando milhões de solitários. Os Estados Unidos, que sempre tiveram uma tradição de associativismo comunitário, também passam por uma séria crise de solidariedade. Putnam identificou uma queda brutal na participação dos americanos nas associações de pais e mestres, nas sociedades de bairro, nos clube de serviços e tantos outros.
Essa leitura deu gás para eu alimentar a tese do Matias. Nossa conversa foi longe. Especulamos à beça. Ele e eu concordamos que o ser humano não foi projetado para viver isolado. Ao contrário, ele é gregário e, como tal, se alimenta da interação com seus semelhantes. Esse negócio de jogar baralho e boliche sozinho ou comprar cães e gatos para encher as vidas solitárias deve ter muita coisa a ver com os comportamentos extravagantes e inexplicáveis que vêm ocorrendo por toda parte.
O Matias e eu reconhecemos a nossa incapacidade de explicar atos tão estapafúrdios como os acima mencionados. Eles parecem refletir sintomas de loucura e comprometimento mental. Mas, quando tais atos começam a se repetir e espalhar por toda parte, há que se considerar causas mais amplas.
Se essas especulações fazem algum sentido, lamento dizer que o problema é ainda mais grave pois a revolução tecnológica não dá sinais de volta. O grande desafio para a civilização atual é encontrar soluções para voltarmos a encher os estádios, comer pizza com os companheiros de boliche, estreitar os laços de vizinhança e estimular a solidariedade entre os companheiros de trabalho, lazer e esporte.

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