São Paulo, terça-feira, 2 de maio de 1995
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A crise do trigo

AUGUSTO CARLOS BAIER

O Brasil historicamente persegue a auto-suficiência em trigo, tendo chegado próximo desta meta nas safras de 1986 a 1989.
Porém se constatou que a qualidade variava muito entre regiões, anos e locais.
E também que os sistemas de armazenagem e de transporte eram onerosos e inadequados.
A produção foi reduzida à metade e deve diminuir ainda mais em 95, com reflexos negativos sobre a economia e a competitividade da produção de soja e de milho.
A forte queda na área de trigo também causa efeitos danosos à conservação dos solos e contribui para o assoreamento de rios, prejudicando canais e de barragens do sistema hidrelétrico dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso do Sul e São Paulo.
O trigo e as outras culturas de inverno (aveia, cevada, triticale, centeio, alpiste e linho) são importantes para a economia e a ecologia do Brasil meridional.
Cultivados em rotação com as culturas de verão, são colhidas no início da primavera, quando os recursos são escassos, melhorando a eficiência de uso da infra-estrutura, do capital e da mão-de-obra.
Ainda protegem o solo da erosão e do intemperismo, contribuindo para manter a fertilidade das terras e reduzir o assoreamento das barragens das hidrelétricas e da bacia do rio da Prata, importante para argentinos e uruguaios.
A produção de trigo brasileira evoluiu, em menos de 30 anos, de pouco mais de 200 mil toneladas, no início da década de 60, para mais de 5 milhões de toneladas, no final da década de 80.
Os rendimentos aumentaram de 700 quilos por hectare para 1.500 quilos por hectare.
O crédito, a garantia de preços e os investimentos em assistência técnica e em pesquisa agropecuária foram os principais fatores responsáveis por esta evolução.
A produção nacional aumentou em quantidade (devido às práticas agronômicas mais eficientes e aos cultivares mais resistentes e produtivos) e pode melhorar em qualidade também.
Para a safra deste ano haverá semente de cultivares com qualidade superior suficiente para semear metade da área.
A partir da safra 96 haverá semente destas cultivares para ocupar toda a área semeada com trigo no Brasil.
Como clima e fertilidade do solo são decisivos para que estas cultivares expressem essa característica no grão, é preciso aperfeiçoar os sistemas de produção, de armazenagem, de comercialização e de avaliação da qualidade.
O grão de trigo oferecido no mercado mundial, comprado preferencialmente pela indústria moageira nacional, vem acompanhado de mais de 20 descritores de qualidades entre outras vantagens, como a entrega programada ou o crédito a juro baixo.
Há quatro grandes laboratórios regionais de qualidade de trigo nos Estados Unidos, e pelo menos um, por país, no Canadá, Alemanha, França e Austrália.
Estes laboratórios reavaliam constantemente a questão da qualidade e formam mão-de-obra especializada para a iniciativa privada, que comercializa e industrializa o trigo.
No passado recente, a qualidade do trigo comercializado no mundo, a armazenagem, o transporte e a distribuição sofreram grandes transformações.
Com o objetivo final de capacitar agricultores, armazenadores, comerciantes e industriais para ter conhecimento exato das qualidades intrínsecas dos grãos, é preciso instituir um programa de governo para treinamento de técnicos, no Brasil e no exterior.
Outro ponto importante é instalar, na região produtora, laboratório de referência para estudar a qualidade do trigo.
Por ser uma área com poucos técnicos especializados no Brasil, há necessidade de contratar consultores estrangeiros para iniciar este programa de treinamento.
Com a ajuda destes consultores, o país poderia elaborar um anteprojeto, de forma a definir as necessidades de técnicos especializados e os equipamentos de laboratório requeridos.
Também é necessário capacitar as instituições que pesquisam trigo, nas diferentes regiões produtoras, para caracterizar a qualidade e para desenvolver programas de treinamento.
O sistema de armazenagem também precisa ser reavaliado.
O país precisa implementar um programa de reforma e de construção de armazéns nas lavouras e nas diferentes fases da comercialização, inclusive junto às indústrias.
Também é urgente planejar e construir um sistema de ferrovias, estradas e hidrovias interligadas.
Este sistema poderia racionalizar e diminuir o custo de transporte das regiões produtoras até os centros consumidores.
A elevada carga tributária é um dos principais fatores que dificultam a capacidade do sistema brasileiro de concorrer com produtores de outros países.
Portanto, é necessário reduzir esta carga de impostos sobre o trigo produzido no Brasil, ou então, aplicar taxas de importação que compensem toda a taxação que onera o produto nacional.
Se leite, pêssegos, uvas e seus subprodutos, entre outros, recebem proteção da concorrência dos parceiros do Mercosul e se a importação de bens industriais é taxada para proteger a indústria nacional, é igualmente urgente e elementar que o trigo nacional também receba proteção adequada, pela sua inegável relevância no sistema produtivo, na ecologia e na economia.

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