São Paulo, terça-feira, 2 de maio de 1995
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Raul Ruiz busca exercício lúdico da imaginação

EDOUARD WAINTROP
DO ``LIBÉRATION"

``Tentei sobrevoar alguns dos temas mais polêmicos que agitaram esses últimos anos os teóricos norte e latino-americanos da mídia...", explica o cineasta chileno Raul Ruiz no prefácio de seu livro ``Poétique du Cinéma".
Ruiz ataca sem hesitar a teoria hollywoodiana, simplista, contemporânea e contudo certa do conflito central: ``Uma história se instala quando alguém quer alguma coisa e outra pessoa não quer que ele obtenha. Por consequência, através de diferentes digressões, os elementos da história se organizam em torno do conflito central. Eu consideraria inaceitável essa relação direta entre a vontade e o joguinho de estratégias e de táticas, elaborado para alcançar um fim que, se não é banal em si, torna-se quase inevitavelmente".
Atacando essa pretensão norte-americana (retomada por um número surpreendente de críticos europeus) Ruiz triunfará.
E o faz com um estilo semelhante ao de seus filmes, fluido e denso, marcado de erudição, de teologia jocosa, de exemplos surpreendentes, de citações de Maine de Biran, Friedrich Engels e Pascal, de raciocínios em forma de volutas, dobras e arabescos.
A polêmica é tão pouco seu forte, o inimigo tão pouco digno, que seu destino é definido sem rodeios. Ruiz prefere ir direto a outros exercícios, mais lúdicos.
Por exemplo, ele imagina um roteiro de western no qual os personagens não sacariam armas sem antes ter consultado o muçulmano ``Livro das Astúcias", e sem ter se submetido à vontade de Deus.
``O herói constrói armadilhas, mas nunca luta... Um dia ele se encontra diante do homem mau (que se chama xerife) na rua principal. O homem mau diz a ele: `Você assaltou o banco e deve pagar por isso'. O herói responde: `O que você quer dizer exatamente com `assaltou o banco?'. Como você pode ter tanta certeza que eu assaltei o banco? De qualquer modo, o que há de novidade no que você acaba de dizer? Em que sentido seus comentários nos aproximam de Deus?"
Estranho não? É verdade que Ruiz escreve: ``(neste livro), pode-se encontrar igualmente temas que fazem parte das polêmicas mais antigas, algumas datam dos primórdios do cinema. De tempos em tempos, disputas ainda mais antigas nele irrompem (Raymond Lulle, Shih T'ao, os Teólogos Molina e Banez etc.). Para conseguir isso, escolhi um gênero próximo daquele que, na Espanha do século 16, chamava-se Miscelaneas, discursos narrativos nos quais se tenta produzir piruetas, mudanças de rumo inesperadas, interpolações extravagantes.
Nesta arte o antigo estudante de teologia e de direito se dá a conhecer. Se ele foi capaz, em seus filmes, de criar laços entre Brecht, Pierre Klossowski, Omar Khayam e Robert L. Stevenson, imagine sua alegria quando se trata de conjugar Pascal e Philip K. Dick, o jesuíta Antonio Vieira e o código asteca, os sofistas chineses e Ludwig Wittgenstein, e seu prazer ao ser obrigado a abordar o paradoxo das cópias e o problema da aura.
A moral dessas histórias e digressões é que não há nada de menos elegante que a linha reta ou a estética hollywoodiana dominante.
Em uma palavra, que é preciso sair pela tangente da imaginação. Aliás, o que o Ruiz -cineasta sempre fez em ``Três Tristes Tigres", ``A Hipótese do Quadro Roubado", ``O Olho que Mente", assim como no último, ``Fado, Maior e Menor".

Livro: Poétique du Cinéma
Autor: Raul Ruiz
Quanto: 120 Francos
Onde encomendar: Livraria Francesa (r. Barão de Itapetininga, 275, tel. 011/231-4555)

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