São Paulo, terça-feira, 2 de maio de 1995
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A criança presente _aqui e agora

MARTA TEREZINHA GODINHO

A ex-secretária do Menor do Estado de São Paulo Alda Marco Antonio anunciou nesta Folha em artigo publicado em 31 de março último que o governo de São Paulo estaria fechando a referida secretaria. Pretendia ser notícia de impacto, dada ao público por alguém que, conhecedora do assunto, se dispunha a fazer revelações sensacionais.
O fato que ela anunciou como acontecendo agora na realidade já ocorreu, e justamente quando ela deixou a Secretaria do Menor. Foi em 19 de janeiro de 1993, quando o então governador Luiz Antonio Fleury Filho criou a Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social, resultado da fusão das Secretarias da Promoção Social e do Menor.
Demitida do cargo e derrotada nas últimas eleições, a ex-secretária faz o discurso de que, na gestão dela, tudo funcionava às mil maravilhas. Na atual, segundo insinua o artigo, existiria um plano para ``extinguir" os programas de atendimento aos menores carentes.
A versão de Marco Antonio é fantasiosa. Não é verdade, por exemplo, que haja uma política de fechamento de casas de atendimento e demissão persecutória de funcionários experientes. Tampouco estamos ``jogando no lixo" experiências bem-sucedidas. O que a atual gestão está fazendo é buscar a compatibilidade entre os custos operacionais e a eficiência dos programas encontrados. Por ora, são gritantes e suspeitas as disparidades registradas.
É saudável enfrentar os fatos e os números verdadeiros. Os serviços da Secretaria do Menor foram montados com verbas repassadas por convênios com entidades e empresas públicas, uma vez que a Secretaria do Menor foi criada no governo anterior sem dotação orçamentária e, para nossa surpresa, em alguns programas parecia sobrar dinheiro.
Uma ``casa aberta", que atende meninos de rua, acolheu, em 1994, 1.200 crianças a um custo médio mensal de R$ 120, enquanto outra atendeu 1.096 menores com custo médio de R$ 201. É uma diferença notável sobretudo quando o dinheiro é público e os beneficiários são as crianças carentes que ``muitas vezes não têm um pão para comer", como afirmou lacrimosa a ex-secretária.
Mas há muito mais. Um circo-escola atendeu 12.709 crianças no ano passado, a um custo mensal de R$ 40,24 por criança, enquanto outro limitou o atendimento a 322 crianças, ao custo médio de R$ 302,54. Os dois têm a mesma capacidade de atendimento: 400 crianças. Encontramos outras ocorrências que a aritmética não explica e o bom senso não endossa.
Ainda estamos trabalhando para entender por que uma creche pré-escola, para 130 crianças, teve um custo mensal ``per capita" de R$ 500 enquanto outra equivalente custou R$ 930 por criança a cada mês. Esses números, citados a título de exemplo, configuram apenas uma amostra do que encontramos, e evidentemente não apareceram no artigo da sra. Marco Antonio, pois não se prestam a palanques, e sim a auditorias.
A rede de atendimento às crianças e adolescentes no Estado de São Paulo não está sendo desativada. Pelo contrário: há novos programas em andamento. O quadro anterior de 3.115 funcionários foi reduzido para 2.972. Os 143 que saíram foram demitidos pelas razões que todos conhecem: eram contratados pelo Baneser, e, como ocorreu em outros órgãos na atual administração, foram dispensados. Sabemos que muitos nos farão falta. Oxalá se apresentem quando se abrirem os concursos para os cargos que ocupavam.
Fechamos o circo-escola de Vila Prudente, que foi estranhamente saqueado após a diminuição de seus funcionários, e o de Vila Nova Galvão, que foi inundado na enchente. Ambos, aliás, eram mantidos por intermédio de convênio com estatal, que retirou pessoal do programa antes que pudesse se tentar qualquer remanejamento. Também foi fechada a Casa Abrigo de Moema, enquanto a Casa Moradia de São Judas foi incorporada à Casa Abrigo Mooca.
As demais 65 unidades mantidas por convênio estão funcionando, de acordo com regras contábeis e de gerência humanitária das quais nos orgulhamos, pois nosso papel é aliviar a carência e encaminhar os jovens que estão na rua para uma vida digna.
A Secretaria da Criança, Família e Bem-Estar Social está agora empenhada em redimensionar e adequar os programas existentes a um denominador comum: o sistema integrado de atendimento à criança e ao adolescente. Por meio de parcerias, que estamos buscando com a iniciativa privada, vamos implementá-lo e ampliá-lo desconcentrando-o da capital e das regiões mais ricas do Estado, para levá-lo também para os bolsões de pobreza que, infelizmente, ainda existem em São Paulo.
As eventuais experiências bem-sucedidas e inovações advindas da gestão da ex-secretária Marco Antonio também serão mantidas e ampliadas. Mas com uma condição: que contribuam de verdade para minorar a chaga social que é, para todos nós, a criança abandonada ou o jovem infrator.

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