São Paulo, sexta-feira, 5 de maio de 1995
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Senise prova ser grande pintor

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Exposição: Boomerangs
Artista: Daniel Senise
Onde: Galeria Camargo Vilaça (leia endereço e horário ao lado)

A exposição de Lygia Pape, que tem fama e qualidade como atrativos, pode distrair a atenção das telas de Daniel Senise que a Camargo Vilaça mostra também a partir de hoje.
Mas, se Daniel Senise, 40, tem provado alguma coisa, é que a qualidade de seu trabalho merece toda a fama que vem ganhando internacionalmente.
Ele é certamente o melhor pintor com menos de 45 anos atualmente atuando no país. (Sim, há pintores com menos de 45 anos no Brasil.) E seu porte, certamente internacional.
As três telas que estão no mezanino da galeria, mesmo que este seja um tanto baixo para suas dimensões (1m73 de altura, 2m60 de largura), bastam para demonstrá-lo.
São telas de fundo branco com um traço largo que descreve a trajetória de um bumerangue. O traço foi feito colando-se pregos enferrujados sobre a tela, depois retirados.
O rastro de ferrugem ocupa a tela com uma expressividade gráfica que lembra a pintura do americano Franz Kline (1910- 1962), com suas pinceladas que indicam o gesto que as fez.
Mas não existe uma pincelada íntegra, decidida, no grafismo de Senise. Nem sequer uma pincelada. O traço mostra que algo passou por ali, e foi a pontuada e paciente colagem de pregos, cuja ferrugem dá certa continuidade ao traço.
Mas é uma continuidade aparente, um percurso fragmentado. Esse é o ponto de Senise: o tempo para ele não é uma ação contínua, mas é sujeito a idas e vindas, a esquecimentos e enganos. Um tempo sem fluxo preciso, como o inconsciente.
Mas Senise não é pós-modernista, não é um bordador de alusões ao passado. Ainda que seu trabalho parta de momentos da história da arte e os cite (e ele pode passar pelo Renascimento, pelo barroco e pelo moderno ao mesmo tempo), tem força própria.
Fique diante das telas e você logo perceberá que elas falam de passagem do tempo, de ação e contemplação, do conflito entre memória e realidade, como as de seu contemporâneo americano James Turrell.
E são bonitas -coisa bastante incomum na arte atual. A técnica está a serviço da harmonia, não de um tratado conceitual.
Senise passou um verniz sobre o branco, para eliminar o excesso de brilho que se chocaria com a cor terrosa, discreta, do traço; e controlou a tonalidade da ferrugem ao longo dos traços, organizando a distribuição visual pela tela.
Provou assim que expressão e conceituação podem andar juntas.
(DP)

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