São Paulo, sexta-feira, 5 de maio de 1995
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Lygia Pape deseja feliz Dia das Mães

DANIEL PIZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Exposição: Lygia Pape
Onde: Galeria Camargo Vilaça (r. Fradique Coutinho, 1.500, tel. 011/210- 7390, Vila Madalena, zona oeste)
Quando: abertura hoje, às 20h
Visitação: de segunda a sexta, das 10h às 20h; sábado, das 10h às 14h

A carreira de Lygia Pape, 68, de quem a Galeria Camargo Vilaça mostra a partir de hoje os trabalhos mais recentes, impressiona porque se vale de técnicas e assuntos os mais distintos, mas mantém coerência e inquietação.
A exposição atual já grita diferenças logo na entrada. À esquerda, dois corações, um verde e o outro amarelo, formados por embalagens de bombons, ironizam as decorações bregas e (para usar uma palavra brega) cintilantes das lojas de presentes.
A obra se chama ``Sedução", mas as embalagens estão vazias. Como nos comerciais de TV, promete-se tudo e obtém-se quase nada. Feliz Dia das Mães.
Olhando para o outro lado, vê-se uma sala tomada por obras de alumínio, contrastando com as cores vivas e formas espalhafatosas do primeiro trabalho.
À frente, duas esculturas fazem a ligação entre a última exposição de Lygia em São Paulo, na mesma Camargo Vilaça, em 1992. São três peças de alumínio entrelaçadas como origamis, aquelas dobraduras de papel japonesas, que eram de ferro pintado em 92.
Alumínio vira papelão ou mesmo papel nas mãos de Lygia. Em quatro das peças penduradas, ela faz cortes nos círculos de metal, dando volume e leveza à chapa, que tem 5 mm de espessura.
Ao canto Lygia pendurou 14 outros círculos de alumínio sem apoiá-los na parede. Aqui eles são mais finos ainda. Lygia, para surpresa sua, comprou esse alumínio em rolo, como se fosse plástico. Resultado: parecem balões.
Estão aí, portanto, as preocupações artísticas que Lygia mantém desde que, em 1959, ao lado de companheiros como o poeta Ferreira Gullar e os artistas Amilcar de Castro e Lygia Clark, fundou o movimento neoconcreto.
O neoconcretismo se propunha um avanço do concretismo (surgido em 1956, e do qual Lygia participou também), que era considerado mais ``científico", mais ``racionalista", por usar formas geométricas e padronizadas.
A ênfase neoconcretista era nos sentidos. Lygia se especializou em mostrar como eles são enganadores, como estão sujeitos a relações materiais que podem subvertê-los. Seus trabalhos, nos anos 60 e 70, lidaram com olfato, paladar, tato -ao passo que, no concretismo, apenas se falava do olhar.
Em seu trabalho recente Lygia veio brincar com a idéia de peso e leveza. Fez do ferro, papel. Agora faz do alumínio, plástico.
Mas não é só isso. Mostrar as ilusões dos sentidos é insuficiente para Lygia. Mesmo porque, claro, arte não é prestidigitação; o interesse de Lygia em descobrir ``truques" que mostram o sentido em contradição se coloca num contexto maior, sociocultural.
A saber: a comunicação de massas e seu indefectível kitsch. Kitsch é a sedução das aparências que exclui o gozo essencial, é o apelo aos sentidos que exclui o sentimento autêntico. Como a embalagem sem bombom.
A relação é óbvia: a sedução dos sentidos só pode ser duvidosa se, como Lygia não se cansa de mostrar, os próprios sentidos são por natureza duvidosos.
Tome como exemplo duas duplas de peças semelhantes, colocadas em paredes adjacentes, na atual exposição.
Numa o círculo maior está acima do menor; na outra, vice-versa. Naquela o corte é contínuo; forma uma espiral quadrada, distribuída quase uniformemente no alumínio. Nesta há três cortes, como se a espiral quadrada tivesse sido cortada em dois pontos.
Como consequência, o corte daquela projeta a espiral para a frente, dando volume e peso. E a outra peça não tem volume, embora pareça ter mais leveza, porque ressalta a superfície -``lisa e sedosa", define Lygia- do alumínio.
Haja mágica para operar esses truques. Lygia, cortando o material, decupa suas propriedades. Em outras peças, faz mais do que isso: deixa clara a associação de sua pesquisa com o mundo em que vivemos -e de um ponto de vista crítico. Nesta exposição isso ocorre em ``Sedução" e nos ``balões" citados; na anterior, em maior número de peças.
Claro que há um ganho estético quando há essa associação clara. Esse ganho é a visão crítica do mundo kitsch da cultura de massa.
Assim, Lygia junta duas vertentes da arte da segunda metade do século 20: a arte da pesquisa visual e material e a arte crítica, preocupada. E sem ser decorativa ou metafórica. Brava!

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