São Paulo, sexta-feira, 5 de maio de 1995
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México uma vez mais

JOSÉ SARNEY

Este é um tema que não vai sair de pauta tão cedo. A verdade é que o caso mexicano não se restringe às dificuldades do México, mas sim envolve o teste de um modelo que se julgava invulnerável e incapaz de qualquer crise.
Eu estou pondo minhas barbas de molho. Neste espaço, há cerca de dois anos, afirmei que o México era o mais bem-sucedido dos modelos adotados pelos países latino-americanos para sair da crise. Foi um equívoco meu e de todos. O México tinha tudo e fez tudo. Até a geografia era um aval definitivo às suas transformações, colocando-o ao lado dos EUA e fazendo parte da política interna americana, por dois motivos relevantes: os chicanos e a fronteira.
O México fez um grande ajustamento fiscal bem ao modelo do FMI, cortou despesas, equilibrou o orçamento, desregulamentou a economia numa modificação de profundidade, privatizou com velocidade e quase que doou seus bancos (que tinham sido estatizados por De la Madrid, para evitar a falência do sistema financeiro, na crise de 82), abriu totalmente sua economia ao capital internacional e, como a maior de todas as âncoras, firmou o tratado de livre comércio com o Canadá e os EUA.
No meio de todas essas coisas consideradas extremamente certas, quando todo mundo pensava, inclusive eu, que a situação interna mexicana era de total apoio às transformações que estavam se processando, eis que surge Chiapas, as gigantescas manifestações de rua na Cidade do México e a revelação de um estado de espírito da sociedade, exausta porque o modelo não incluía sua participação nos dividendos do êxito. Vieram Colossio e Mathieu.
Aí vem a pergunta que muitas vezes nos esquecemos de fazer: a economia é feita para o homem, destinatário de todas as ações de governo, ou o homem é feito para a economia?
As lições que tomamos são uma só. Nenhum plano dará certo, mesmo que tudo seja feito certo, dentro de uma visão conceitual, se não tiver o apoio do povo. E o apoio do povo somente existe quando ele participa dos resultados, quando ele se sente diretamente beneficiado por eles. Um bom governo é aquele que faz a felicidade do povo.
Algumas lições devemos aprender. O Brasil não é o México, e o plano brasileiro, também, não pode ser igualzinho ao plano mexicano, que mostrou graves vulnerabilidades. Não podemos criar internamente um clima de arrocho, a tese do sofrimento necessário, quando a nossa capacidade de aguentar desesperado, como a de todos os países da área, já está esgotada.
E já se viu, como aconteceu no México, que o neoliberalismo só tem o apoio do capital, se o país tiver êxito e não contiver riscos. Fora daí, ao primeiro sinal de alarme, o capital foge, não importando os destroços e desabamentos. Numa economia globalizada o capital não tem pátria. Adquire nacionalidade nas carteiras de câmbio de qualquer banco numa ordem de computador. Daí a bobagem de a Constituição definir empresa nacional e estrangeira.
A verdade final: a economia de mercado é concentradora de renda e, portanto, péssima distribuidora. Assim, olho na calibragem. Os problemas do México foram sociais. Um bom modelo pode ser como um bom remédio. Cura a doença, mas seus efeitos colaterais levam os órgãos vitais ao colapso. E aí, no paradoxo, vai a vida. É o velho provérbio: ``De boas intenções o mundo está cheio".

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