São Paulo, sábado, 6 de maio de 1995
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Edmund Wilson tem biografia aos cem anos

JAMES ATLAS
DO ``THE NEW YORK TIMES BOOK REVIEW"

Enquanto a biografia autorizada de Edmund Wilson (1895-1972), a cargo de Lewis Dabney, se arrasta há duas décadas -boatos sobre seu lançamento iminente circulam há anos-, o incansável Jeffrey Meyers conseguiu se antecipar a ela. Ele lança, no centenário do nascimento do escritor, um livro que seu editor descreve como ``a primeira biografia integral de um titã literário".
Segundo o texto de divulgação do livro, ``o biógrafo e crítico literário formado pela Universidade da Califórnia, autor de 400 artigos e 37 livros, membro da Royal Society of Literature e palestrante universitário, trabalhou incansavelmente durante um ano, sete dias por semana, para produzir este volume".
A produção de Jeffrey Meyers é farta. Grossas biografias ostentando seu nome são lançadas com alarmante frequência. Mas sua profusão nem sempre é benéfica.
A qualidade de suas biografias é desigual -são às vezes apressadas, descuidadas, por vezes até mesmo mal-humoradas, como se o autor estivesse cansado do ritmo frenético em que as escreve.
Seu último livro -ou será o penúltimo?- foi uma biografia de F. Scott Fitzgerald, na qual Meyers dedicou espaço exagerado às dimensões do pênis de Fitzgerald. Para Meyers, uma biografia é uma maratona, uma labuta suada.
Assim, foi com pouca esperança que abordei esta obra pesada. Não apenas o biógrafo era dúbio, como seu tema era problemático.
Edmund Wilson foi um dos maiores homens de letras deste país, e merece uma grande biografia. Mas o problema de realmente se escrever uma biografia deste tipo (ou mesmo de lê-la) é a familiaridade excessiva do material.
Os livros de Wilson são fortemente autobiográficos. Quando se considera os volumes de seus diários, alguns de quase mil páginas, seu livro de memórias, ``Upstate", e os vários volumes de suas cartas, o que será que resta ao biógrafo revelar, que o próprio Wilson já não tenha revelado?
Mas, não se sabe bem como, Meyers conseguiu produzir um livro extremamente interessante. Leve, bem proporcionada, repleta de ``insights" sobre a vida e a obra de seu biografado, sua narrativa vigorosa reúne tudo: a infância solitária de classe média em Red Bank, Nova Jersey; a Universidade de Princeton, onde Wilson conheceu Fitzgerald; a era de Greenwich Village e ``Vanity Fair", nos anos 20, regada a álcool; as quatro mulheres, incluindo a célebre e complicada Mary McCarthy; as muito comentadas brigas com Vladimir Nabokov e os frequentadores da Modern Language Association; os anos de trabalho na ``The New Yorker", onde Wilson criou a base de operações de suas investidas críticas e literárias.
O resultado é uma biografia cuja leitura é divertida, o que não deixa de ser novidade nesta nossa época de biografias pesadas e prolixas. A marca distintiva de Wilson foi criar um estilo que tornava a literatura acessível ao leitor médio. Ele se ressentia do fato de os acadêmicos terem tomado conta do campo.
Meyers conseguiu fazer por Wilson a única coisa que Wilson não conseguiu fazer por si próprio: compreender sua vida. Apesar de toda sua auto-análise implacável e constante, Wilson era notoriamente avesso à introspecção.
Fundamentando-se principalmente em fontes publicadas, Meyers compôs um retrato evocativo de Wilson como filho único de pais que não o amavam. Seu pai era emocionalmente distante e depressivo, enquanto sua mãe -parafraseando a descrição rude feita por Mary McCarthy- se ressentia do fato de ``sua cabeça grande ter rasgado seus tecidos vaginais no momento do parto".
A imagem que temos de Wilson como homem velho e grandioso -e mesmo jovem ele já parecia ser velho- obscurece a dor e a luta que marcaram sua vida inteira. O reconhecimento literário lhe chegou bastante tarde, após anos de trabalhos itinerantes -``O Castelo de Axel", que estabeleceu sua reputação de crítico literário, foi publicado quando tinha 36 anos.
Dois anos antes disso, o fracasso de seu primeiro romance, ``I Thought of Daisy", precipitara um colapso nervoso total. Wilson ganhava quantidades ridículas de dinheiro: para ``Rumo à Estação Finlândia", ele recebeu de adiantamento apenas US$ 1.700 -menos de US$ 300 por cada ano em que trabalhou no livro.
Um emprego regular de redator da ``New Yorker", iniciado quando tinha 48 anos, lhe garantiu uma certa estabilidade, mas sua situação financeira foi precária até o fim de sua vida.
Sua vida privada foi tão conturbada quanto a pública. Depois de divorciar-se da atriz Mary Blair, em 1930, Wilson se casou com a alcoólatra Margaret Canby, uma rica socialite californiana que morreu de fratura craniana dois anos depois do casamento, devido a uma queda da escada.
A seguir foi a vez de Mary McCarthy, que brigou com Wilson -até fisicamente- durante todo o casamento, notoriamente tempestuoso. Meyers reúne uma quantidade considerável de dados sobre o casamento, que durou sete anos.
O último casamento de Wilson, em 1946, com a elegante Elena Thornton, foi o único feliz -fato que não o impediu de ter um breve caso com a crítica de cinema da ``New Yorker", Penelope Gilliatt, aos 75 anos.
Quando se tratava de sexo, Wilson era realmente prodigioso. As mulheres elogiavam seu ``vigor físico, lembrando o de um touro", e a crônica que Meyers faz de seus encontros sexuais é ricamente detalhada. ``O aspecto mais idiossincrático do gosto sexual de Wilson era seu obsessivo fetiche por pés", segundo seu biógrafo, que também narra episódios de sadismo e masoquismo.
Wilson era uma pessoa difícil de se gostar, descrito por uma de suas mulheres como um homem de extrema frieza. Mesmo Meyers, conclui que lhe ``faltava calor humano". Ele tratava suas esposas com crueldade e seus filhos com indiferença, às vezes com espantosa insensibilidade.
Era capaz de ser intransigente, até mesmo abusivo, quando se envolvia em discussões literárias, como no caso da crítica implacável que fez à tradução de Nabokov de ``Eugene Onegin", que acabou por destruir a amizade dos dois.
O que torna esta biografia dinâmica é o fato de que Meyers tem um ponto de vista. Ele não é um daqueles ``democratas do arquivo", nas palavras de Leon Edel, que expõem o material sem se darem ao trabalho de interpretá-lo.
Para começo de conversa, ele é parcial: gosta dos livros de Wilson. Meyers discorre bem sobre os pontos fortes de Wilson enquanto crítico: sua aguçada percepção psicológica, sua capacidade de resumir tendências literárias complexas em prosa lúcida e direta, sua energia e curiosidade.
Mas Meyers não se furta a apontar os pontos fracos de seu biografado: a miopia histórica que levou Wilson a louvar os arquitetos da Revolução Russa, em ``Rumo à Estação Finlândia", no exato momento em que Stalin consolidava seu poder; a frieza de sua ficção; a desorganização e preguiça de suas compilações.
Os últimos anos da vida de Wilson foram sombrios. Já em meados da década de 50, segundo Meyers, Wilson se identificava com ``um grupo semi-obsoleto de sobreviventes da era vitoriana". Seus diários nos anos 60 e 70 narram um ciclo desolador de bebida e depressão, exacerbada pela redução de sua potência sexual.
Meyers pinta uma imagem triste de Wilson na velhice, sentado na privada, lendo resenhas antigas de seus livros para levantar sua moral. Mesmo assim Meyers consegue conservar seu tom elegíaco. ``As qualidades exemplificadas em Edmund Wilson precisam ser valorizadas e restauradas, se quisermos que nossa cultura literária sobreviva", escreve.

Livro: Edmund Wilson - A Biography (Edmund Wilson - Uma Biografia)
Autor: Jeffrey Meyers
Preço: US$ 35 (nos EUA)
Encomendas: Livraria Cultura (tel. 011/285-4033)

Tradução de Clara Allain

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