São Paulo, sábado, 6 de maio de 1995
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Reforma ou desconstrução da nação?

IVAN VALENTE

É notório que, com as chamadas ``reformas", o governo pretende implementar o ajuste estrutural tão reclamado pelo capital financeiro internacional, que deve ser lido pelas classes populares como mais exclusão social.
Em vez de reformar, FHC objetiva desconstitucionalizar o país. Vale dizer, suprimir direitos das maiorias nacionais (conforme emenda governista da Previdência e a recente indiscrição do ministro do Trabalho).
Inviabilizar um projeto nacional -como o programa do PT- que objetive a construção de um vigoroso mercado interno de massas e a inserção soberana do país à economia mundial.
E desarticular as bases materiais da nação, abrindo caminho para graves restrições à democracia, como demonstram a Inglaterra, o México, o Peru e agora a Bolívia.
Nesse quadro, um partido que pretenda representar as maiorias nacionais não deve deixar de apresentar agenda de verdadeiras reformas que apontem para a democratização da propriedade, da riqueza, da renda, da informação e do poder; mesmo que isso lhe custe momentaneamente combater numa correlação de forças desfavorável e confrontar-se com o senso comum estabelecido pela mídia.
Remar contra corrente em determinados momentos é construir o futuro. Por não compreender isso, a pretexto de não ir para o ``gueto", o PRD mexicano paga caro. Hoje é o povo que dele se afasta por tê-lo percebido como a ala ``light" do projeto neoliberal.
Por essas razões, estão equivocados os que fecham os olhos para a história do nosso partido e só o enxergam como expressão da ``política do não".
Os defensores da lógica da relação ``propositiva" com o governo desdenham do fato de que o PT se afirmou na sociedade brasileira porque soube sempre combinar vigorosas negativas com apresentação de propostas globais (que partido, por exemplo, preocupou-se em formular projetos de constituição nacional e para os Estados senão o PT?).
Em nome de um suposto combate ao maniqueísmo, os adeptos daquela lógica se iludem imaginando ser possível um processo negocial que compatibilize neoliberalismo com os interesses populares.
Para sermos incidentes, mesmo face às propostas do governo, não podemos concordar com argumentos de que ``as reformas" são necessárias e fundamentais para ``salvar o real"; para alavancar o ``Brasil em direção ao Primeiro Mundo" e outras pérolas que enfeitam os nossos noticiários.
Esse raciocínio nos levaria a aceitar a arena de disputa estabelecida pelo governo. É a luta política que deve determinar se devemos apresentar (ou não) emendas às propostas do governo. É justo fazê-lo para unir um bloco de partidos aliados; para o trabalho comum com setores reticentes; para operar com maior desenvoltura técnicas de obstrução parlamentar etc.
É essa compreensão que nos leva, por exemplo, a nos recusar a apresentar qualquer emenda às emendas de quebra do monopólio do petróleo e das telecomunicações (combinada com o oferecimento de emenda que democratiza e aumenta a capacidade operacional das estatais) e, por outro lado, apostar na preparação de uma proposta global de reforma tributária alternativa às concepções dominantes de nossas elites.

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