São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995 |
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Documentos revelam pressão dos EUA para Brasil entrar na Guerra do Vietnã
GILBERTO DIMENSTEIN; ROBERTO MACHADO "Minha posição era de que só deveríamos nos engajar em forças internacionais de paz", diz à Folha o ex-presidente Geisel, que na época era chefe da Casa MilitarGILBERTO DIMENSTEIN Diretor da Sucursal de Brasília Carregando uma carta do então presidente dos EUA Lyndon Johnson, com o carimbo ``secreto", o embaixador americano Lincoln Gordon foi ao Palácio das Laranjeiras, no Rio, no final de julho de 1965. À sua espera, estava o marechal brasileiro Humberto de Alencar Castello Branco, primeiro presidente do regime militar. Descoberta agora pela Folha, a carta era a ponta de uma operação ainda não registrada na história brasileira. Há no Brasil apenas uma testemunha viva daquela operação: o ex-presidente Ernesto Geisel. Então chefe da Casa Militar, Geisel quebrou o cuidadoso silêncio que guarda sobre este período do passado brasileiro. Ele revelou à Folha que viu na carta de Gordon uma forma de pressão e um convite para uma aventura desastrosa: enviar tropas brasileiras ao Vietnã do Sul, onde a derrota americana completou, no mês passado, 20 anos. ``Pessoalmente eu era contra o envio o envio de tropas brasileiras ao Vietnã", disse à Folha o ex-embaixador no Brasil, Lincoln Gordon, hoje com 81 anos (leia entrevista na pág. 1-18). Um dos principais artífices da guerra, o então secretário de Defesa norte-americano, Robert McNamara, acaba de lançar um livro admitindo saber que a derrota era inevitável. Depois da morte de John Kennedy, em 1963, os Estados Unidos, governados por Johnson, aumentaram sua presença no Vietnã e caçaram aliados pelo mundo para aumentar o contingente de tropas. O Brasil tinha a ``vantagem" de estar fragilizado financeiramente -transcorrera apenas um ano do golpe militar que derrubou o governo civil de João Goulart. Na carta a Castello, Lyndon Johnson alerta para o ``perigo" comunista na Ásia e diz que o contingente de soldados deveria crescer para pelo menos 80 mil homens. Ao morrer, Kennedy deixou 13 mil homens no Vietnã -no auge, o número chegou a 500 mil. ``Minha posição era de que só deveríamos nos engajar em forças internacionais de paz", afirma o ex-presidente Geisel. Ele refere-se à intervenção na República Dominicana (país da América Central), em 1965, convulsionada por uma guerra civil. Coube ao Brasil o comando das tropas da OEA (Organização dos Estados Americanos), patrocinadas pelos Estados Unidos. A tese prevaleceu nas reuniões em que participaram, além do presidente, o chefe do então SNI (Serviço Nacional de Informações), Golbery do Couto e Silva, e o ministro das Relações Exteriores, Vasco Leitão da Cunha. Leitão da Cunha começou a receber os pedidos em abril, quando, em viagem a Washington, discutiu a questão do Vietnã com seu colega americano Dean Ruski -o encontro é citado na carta de Lincoln Gordon a Castello Branco. Um mês antes, em carta de 13 de março ao presidente brasileiro, Jonhson já introduzira o tema dizendo que gostaria de trocar idéias sobre a crise do Vietnã. Por causa da guerra, ele não poderia visitar o Brasil. Documento da Casa Branca classificava Castello como um chefe de Estado disposto a entrar na guerra -a convicção era baseada em informe do embaixador Lincoln Gordon. Segundo o texto, Castello seria, ``pessoalmente", favorável ao envio de tropas. Segundo registros da assessoria do Conselho de Segurança Nacional, Castello Branco enfrentava obstáculos políticos e legais, que tornariam a ação ``extremamente difícil e arriscada". Alguns membros do governo imaginavam que a criação de um ``clima", no qual o envio de tropas não significasse para a opinião pública um ato de subserviência aos EUA, facilitaria a operação. Havia reação contrária até mesmo em setores conservadores que ouviram rumores sobre o convite. O diplomata Afonso Arinos Filho (filho do ex-chanceler Afonso Arinos), deputado pelo Partido Democrata Cristão, soube dos comentários nos bastidores e informou a seu amigo Bilac Pinto, presidente da Câmara. Bilac não gostou da idéia. Ele tinha prestígio entre os militares para fazer este tipo de pressão -era tão visceralmente anticomunista que tentou proibir que parlamentares brasileiros viajassem a países comunistas. Aos 90 anos, Juracy Magalhães, à época embaixador brasileiro nos EUA, afirma não se lembrar do episódio. Ele é o autor da famosa frase ``o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil". ``Soube apenas vagamente dessa pressão, não imaginava que pudesse existir uma carta nem outros documentos", diz à Folha o deputado Roberto Campos (PPR-RJ), então ministro do Planejamento. Mas Campos sabia que o Brasil, pressionado pela situação das suas contas externas, estava fragilizado. ``Estávamos falidos e os Estados Unidos abriam portas e mais portas no exterior". Estavam em negociação o reescalonamento da dívida externa, a abertura de créditos no FMI (Fundo Monetário Internacional) e Bird (Banco Mundial) e os acordos para aumentar exportações de café e açúcar. Os documentos guardados no Texas, onde está a biblioteca Lyndon Johnson, e na Fundação Getúlio Vargas, no Rio, depositária do arquivo de Castello, mostram que a pressão demorou pelo menos um ano -e misturava política externa com negócios. A mistura é visível em informe secreto de William Bowdler (data: 13.12.65), assessor do Conselho de Segurança Nacional e, depois, diretor do Serviço de Inteligência do Departamento de Estado. Endereçado a McGeorge Bundy, assessor especial da Presidência para assuntos de segurança nacional, o assunto do informe é um empréstimo de US$ 150 milhões dado ao Brasil pelos EUA. Ali, aparecem instruções que deveriam ser dadas a Gordon em seu contato com Castello Branco: 1) Apesar do aperto econômico provocado pela guerra do Vietnã, o presidente ``pessoalmente" autorizaria o empréstimo de US$ 150 milhões, devido ao seu interesse em ver Castello Branco recuperar a economia brasileira. 2) Castello seria, mais uma vez, solicitado a ajudar os EUA na guerra contra o Vietnã. Gordon deveria explicar a necessidade da presença de outros países no Vietnã e expressar a forte esperança de que Castello Branco contribuiria com forças. O informe resultou do debate com dois importantes assessores de vários presidentes americanos, Averell Harriman (um dos condutores do Plano Marshall na Europa, ex-governador de Nova York e embaixador em vários países) e Ellsworth Bunker (negociador do tratado do Panamá e também embaixador em vários missões). McGeorge Bundy, que recebeu o informe, hoje dá aulas de história na Universidade de Nova York. O governo americano liberou os US$ 150 milhões, ainda que o Brasil não tenha enviado as tropas. As relações Brasil-EUA continuaram amistosas. Só pioraram mesmo quando um dos principais personagens daquela discussão chegou à Presidência. Irritado com as pressões americanas sobre direitos humanos, e na trilha da política externa apelidada depois de ``terceiromundista", Ernesto Geisel enfrentou os americanos ao investir em energia nuclear e acabou rompendo acordos militares com os EUA. Colaborou ROBERTO MACHADO, da Sucursal do Rio Texto Anterior: O Brasil não está o México Próximo Texto: Leia íntegra de documentos Índice |
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