São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995
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O Brasil não está o México

RICARDO SEMLER

CIDADE DO MÉXICO - Chegando ao estacionamento do aeroporto, a moça destranca a lateral do porta-malas e destrava uma barra presa ao volante. Pede que coloquemos bolsa e valores no chão e que guardemos relógios e brincos. Pronto. Bem-vindos ao México.
FHC, logo pensei. Deve ter dado um friozinho na barriga dizer ao Big Bill que o Brasil não é o México.
Saímos do aeroporto e minutos mais tarde estamos em trânsito pesado. Criança vendendo balas nos faróis, enquanto a moça explica que mulheres têm autorização do prefeito para não pararem em farol à noite.
Ah, logo vi, pelo caos da cidade, que aqui também têm espertalhões como prefeitos. Obras semi-acabadas aumentam o turbilhão de fusquinhas, luminosos com promessas mentirosas, outdoors escondendo favelas e neons maiores do que os frágeis prédios que os sustentam.
Poluição braba, carros ficam um dia por semana em casa. São 17 milhões -mas CM não é SP.
Esclarecem que aqui há TV a cabo, mas que a audiência mesmo é de uma rede só, que passa novelas dramalhonas à noite e mente no noticiário, tudo para manter o status de pão e circo para o povo, enquanto apóia o governo, seja qual for. Puxa, nunca tinha ouvido falar nisso. O México não é o Brasil.
Nos mostram as novas moedas, que tiveram três zeros cortados. Puseram um N grandão na frente, fica NS, Novos Pesos. Que idéia, hein?
A inflação foi de 9% este mês, igual ao ano inteiro de 1994. Mas logo vai baixar, dizem as autoridades. Sei.
A dívida externa é brutal, e os juros saem direto da boca do povão, que vive encortiçado nas metrópoles ou em áreas remotas e áridas, onde coronéis que controlam a região têm suas haciendas luxuosas protegidas por pequenos exércitos de jagunços.
Passa uma BMW limusine preta, acompanhada por um carro de guarda-costas na frente e outro atrás. A moça explica que é para sair rapidinho da frente, porque guarda-costas, contratados pelos grandes empresários, são oriundos de esquadrões da morte da polícia e impunes.
Aqui são loucos por futebol e têm um time bom de basquete. Assistem à Fórmula-1 e Indy, têm PIB e per capita parecidos com o nosso. Acham que o México é o país principal da América Latina.
Assim, tudo que se constrói de novo por aqui passa a ser o ``maior da América Latina". Já ouvi complexos destes em algum lugar.
Consequentemente o shopping ali à frente é o maior da América Latina, e o jornal é o mais importante da América Latina, acrescido da palavra ``indiscutivelmente", caso algum brasileiro desavisado queira discutir.
Estão em crise, mas há planos do governo para anular a pobreza e restabelecer o crescimento. São, também, parceiros especiais dos EUA.
É, presidente FHC, o Brasil não está no México neste exato momento. Vivemos ciclos ligeiramente distanciados, apesar de necessitarmos mucha plata, muy nuevo gobierno, e sermos países com forte influência do Exército, com elites míopes e oportunistas.
É. Não estamos mexicanos hoje, maio de 1995, mas que o Brasil é o México, isso qualquer visitinha prova.

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