São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995
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Indústria da solidão faz girar R$ 400 mi

MARIO CESAR CARVALHO; NELSON BLECHER
DA REPORTAGEM LOCAL

Indústria da solidão faz girar R$ 4OO mi
Grupo que mais cresce na Grande São Paulo, solitários esquentam negócios que vão de congelados a bingo
Mercado descobre filão, mas os que vivem sós reclamam da falta de produtos
MARIO CESAR CARVALHO
NELSON BLECHER
Solidão hoje é um negócio de muitos. Os solitários foram descobertos pelo mercado e descobriram o paraíso artificial do consumo.
O grupo dos que vivem sós é o que mais cresce na população da Grande São Paulo e faz girar no país negócios de pelo menos R$ 400 milhões ao ano em oito setores consultados pela Folha.
Equivale ao que a Disney ganhou com o licenciamento mundial de seus personagens em 1994.
Nátia Muniz, 33, diretora de marketing, e Rosana Domingues Costa, 32, gerente de um banco, são duas engrenagenzinhas desta máquina de fazer dinheiro.
Não querem saber de homem em casa e usufruem de toda a parafernália oferecida aos solitários. Nátia faz supermercado, feira e açougue pelo telefone, contrata uma pessoa para cuidar de tudo nos jantares que dá e tem até uma florista que troca seus vasos a cada 15 dias, de quem nunca viu a cara.
Quando precisa pintar o apartamento ou consertar o encanamento, contrata um faz-tudo para gerenciar a obra. Nátia, uma executiva ocupada das 6h30 às 21h com ginástica, massagem, trabalho, aulas de inglês e de dança, desfruta dos serviços.
Rosana é a mulher dos produtos e serviços. Compra comida congelada, frequenta supermercados, lojas de conveniência, locadora de vídeo e ginástica, mas só os que ficam abertos 24 horas.
Os novos serviços funcionam às mil maravilhas. ``Consigo tudo que quero pelo telefone", diz Nátia. Já os produtos padecem dos males de um mercado que começou a ser explorado há cinco anos.
``Um vidro de requeijão tem prazo de validade de dez dias, mas é impossível comer tudo aquilo em dez dias. Queijo minas estraga. Suco de um litro é muito. Pão de forma embolora. Leite estraga na metade da caixinha. É um horror", resume Rosana.
Não é porque não gosta de ganhar dinheiro que a indústria deixou as prateleiras de comida virarem o ``horror" de solitários como Rosana. É que as pesquisas não conseguiam detectar o potencial de consumo dos que vivem sós.
O motivo é o estigma da solidão. A maioria não gosta de admitir que vive só. Só nos últimos anos as mulheres passaram a alardear essa condição para reafirmar a idéia de independência.
``Se você abrir hoje um bar chamado Bar dos Solitários vai à falência no dia seguinte. Solitário quer ser tratado com delicadeza", diz Henrique Schidlow, 56, dono do Zeibar's, um bar para ``singles", o eufemismo para designar quem é solteiro ou descasado.
Os demógrafos perceberam o fenômeno antes. Na década passada, Elza Berquó e Maria Coleta Oliveira notaram que o número dos que vivem sós aumentava numa velocidade duas vezes maior do que a taxa de crescimento da população -5,43% contra 2,77% ao ano entre 1970 e 1980.
Na Grande São Paulo, a velocidade é ainda maior. Os solitários cresceram num ritmo quatro vezes maior do que o do total da população entre 1990 e 1994. Passou de 5,6% dos habitantes para 6,6%, um salto de 32,64%, segundo o Seade (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados).
Os que vivem sozinhos são o grupo que mais cresce porque as mulheres tem uma expectativa de vida maior dos que os homens (73 anos contra 65 no Estado de São Paulo), porque está aumentando o número de separações e porque mulheres e jovens estão buscando mais autonomia, explica Maria Coleta Oliveira, 49, coordenadora do Núcleo de Estudos da População da Unicamp. Entre solitários acima de 60 anos, as mulheres são maioria (54,9%).
Não são pés-rapados os solitários que se multiplicam em São Paulo. Segundo o Seade, é nessa faixa que se concentra o menor número de miseráveis -só 4% ganham menos de R$ 50 ao mês enquanto em famílias de quatro pessoas a taxa alcança 23,8%.
A indústria corre atrás desse público. O item pratos prontos e congelados, um dos indicadores do universo ``single", saltou de 21º lugar no ranking de lançamentos para o 5º entre 1993 e 1994.
Pesquisa da Sadia revela que 88% dos consumidores desses pratos estão no topo da pirâmide de renda. O Pão de Açúcar percebeu que era relapso com essa freguesia e busca fornecedores para pacote de leite com meio litro.
Só nos 270 bingos do país, nos quais os solitários formam 40% da freguesia, eles devem desembolsar R$ 48 milhões este ano, segundo a associação nacional do setor.
O mercado de carentes que não se arriscam a sair de casa é um pouco menor.
Os 22 serviços telefônicos para solitários que operam em São Paulo, como o Teledesabafo e o Papo Gostoso, devem fechar o ano com faturamento de R$ 32 milhões.
É um mercado que não saiu das fraldas quando comparado ao dos EUA. Lá, existem 2.000 empresas de serviços para solitários e só os pratos prontos movimentam US$ 5 bilhões -o tamanho do mercado brasileiro de refrigerantes.
Solidão ainda apavora, como canta Caetano Veloso, mas para a indústria virou uma farra.

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