São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995
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'Sacoleiros' abastecem traficantes do Rio

SERGIO TORRES
DA SUCURSAL DO RIO

Uma rede informal de compra direta ao produtor, transporte e entrega de cocaína é responsável pelo abastecimento da maior parte das ``bocas" (pontos de venda de drogas) cariocas. A rede é formada por pequenos e médios emissários, apelidados de ``matutos".
Investigações da PF (Polícia Federal) e da DRE (Divisão de Repressão a Entorpecentes) da Polícia Civil indicam que os traficantes do Rio preferem usar esse tipo de fornecedor a recorrer aos grandes ``senhores" da droga.
O ``matuto" é um muambeiro da cocaína. Seu trabalho se parece com o de ``sacoleiros" que invadem o Paraguai ou os EUA para comprar aparelhos eletrônicos e revendê-los no Brasil.
Só que, em vez de montar uma barraca na rua como fazem os muambeiros tradicionais, o ``matuto" tem clientela fixa, como explica à Folha um deles, que não quer ser identificado. Com 38 anos, L., antes de ser preso (em 1994), trabalhou 13 anos na rota Bolívia-Rio.
``Quase todo o pó vendido nos morros chegou com um `matuto' que foi à Bolívia fazer o negócio. Lá tem muito para vender e aqui tem muita gente para comprar. É mole ganhar dinheiro", diz.
O diretor da DRE, delegado Reginaldo Guilherme, confirma a história. ``O que mais tem hoje em favela é matuto", diz.
O ``matuto" é geralmente recrutado na própria quadrilha de traficantes e se especializa na tarefa. Viaja à Bolívia em carro com documentação legalizada.
Na cidade boliviana de Santa Cruz de la Sierra, compra a mercadoria, que lhe é entregue em Corumbá (MS), município na fronteira entre Brasil e Bolívia.
Para levar a droga de Corumbá ao Rio, o ``matuto", que compra um máximo de 15 kg, divide a mercadoria em até dez pacotes, entregues a caminhoneiros coniventes e acostumados a transportar droga em meio a suas cargas.
A falta de fiscalização nas rodovias e as opções de trajetos facilitam o trabalho do ``matuto". Mesmo que perca um pacote, seu lucro é garantido. A cocaína pura é ``batizada" nas favelas, crescendo cinco vezes com a mistura de outras substâncias.
Cada grande favela vendedora do Rio -Mangueira, Acari, Parada de Lucas, Vigário Geral, Alemão, todas na zona norte- trabalha com até cinco ``matutos" diferentes. A idéia é impedir um corte no fornecimento de cocaína no caso de prisão de um deles.
Uma mostra de que o abastecimento continua mesmo com a prisão de um ``matuto" ocorre hoje na favela Vilar Carioca (zona oeste). Para a polícia, quem fornecia a cocaína na favela era o suposto ``matuto" José Maria, o ``Zé da Rola", 39, preso há um mês.
A DRE informa que ele era o ``matuto" da quadrilha de ``Pedrinho Maluco", suposto chefe do tráfico na Vilar Carioca. Mas, apesar da prisão de Zé da Rola, o tráfico na favela continua ativo -Pedrinho Maluco estaria trabalhando com outros ``matutos".

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