São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995
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Plano mexicano é reduzir salários, diz Valenzuela

FLAVIO CASTELLOTTI
DA CIDADE DO MÉXICO

O ajuste econômico implementado no começo de março pelo governo mexicano recai principalmente sobre os salários, reconhece Alejandro Valenzuela, diretor de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda do México.
``A diminuição do poder aquisitivo (quantidade de produtos que o salário é capaz de comprar) foi a única forma encontrada para frear o consumo e evitar a aceleração da inflação", disse à Folha.
Valenzuela participou da elaboração do Plano Econômico de Emergência e é o porta-voz oficial da política econômica do presidente Ernesto Zedillo.
O plano, considerado por ele mesmo como recessivo, foi implementado em 9 de março com o intuito de reestabilizar a economia, após a desvalorização do peso, a moeda do país. Trouxe consigo aumentos de preços e de impostos e uma forte redução da base monetária (dinheiro em poder do público mais reservas bancárias).
Valenzuela acredita que o ajuste está sendo cumprindo nos prazos previstos. Na sua opinião, trata-se de um programa bastante duro, mas sobretudo realista. A seguir, a entrevista.

Folha - No dia 1º de maio, milhares de trabalhadores saíram às ruas para protestar contra as perdas salariais geradas pelo plano de emergência. Eles afirmam que são o setor mais prejudicado pelo ajuste econômico. O senhor concorda com isso?
Alejandro Valenzuela - De fato, o ajuste está afetando fortemente os salários dos mexicanos. Contudo, a redução do poder aquisitivo foi a única maneira encontrada para evitar a espiral (elevação) inflacionária, na qual poderíamos ter caído devido à desvalorização do peso frente ao dólar.
É preciso ressaltar que todos os salários estão achatados. Não só os das classes mais baixas.
O governo considera a inflação o pior mal para uma sociedade. Apesar da crise, queríamos evitá-la a qualquer custo. Conter fortemente a demanda (procura por mercadorias e serviços) foi uma medida necessária.
Folha - Conter a inflação através do arrocho (redução) do salário não é cômodo demais para o governo?
Valenzuela - A contenção da demanda é apenas uma das medidas impostas pelo plano de ajuste.
O governo também está cumprindo com a sua parte. Os gastos públicos foram fortemente reduzidos e a base monetária também. Os empresários tiveram de arcar com um aumento de 50% no IVA (Imposto sobre Valor Agregado).
A crise mexicana foi tão séria que exigiu atuação do governo em todos os lados. Não há milagres em política econômica. Há, isso sim, visão de médio e longo prazo.
Os salários vão subir novamente, assim que as empresas obtiverem melhores resultados. No México, há livre negociação entre sindicatos e empresas e o que temos observado nos últimos anos é um aumento real dos salários devido a ganhos de produtividade.
Folha - Muitos especialistas consideram o plano demasiado recessivo. Não havia uma fórmula mais suave para reequilibrar as contas públicas?
Valenzuela - O programa representa um freio brutal para a economia. Freio este necessário pois a economia mexicana, de tão acelerada e desajustada que estava, corria diretamente para um abismo.
Devemos ter em mente que o ajuste tomou como ponto de partida um déficit em conta corrente (ou seja, o país importou mais do que exportou e acumulou dívidas) correspondente a 8% do PIB (Produto Interno Bruto, a soma de tudo que é produzido no país). Nesse caso, para reequilibrar as contas sem cair numa espiral inflacionária, não havia outra alternativa, a não ser a recessão.
Tomemos como exemplo o Brasil, que sempre apresentou maiores dificuldades para dominar a inflação. Trata-se de um país que muitas vezes adiou ajustes drásticos, que por sua vez acabaram se perpetuando como problemas em sua economia, exigindo posteriormente ajustes ainda mais drásticos.
Folha - Que medidas o governo mexicano pretende tomar para que o equilíbrio das contas públicas seja duradouro?
Valenzuela - A economia mexicana está crescendo e necessita de altos níveis de investimento. O problema foi justamente tê-la financiado com capitais estrangeiros de curto prazo. A partir deste ano, o governo pretende incentivar o investimento direto no país.
Outro ajuste consiste em aumentar o nível de poupança interna (parcela da renda gerada no país, que não vai para consumo) para que esta seja também uma forma de financiamento.
Hoje, no México, o nível de poupança interna é da ordem de 15% do PIB e o nível de investimento chega a cerca de 25% do PIB. É um diferencial inaceitável.
Além disso, o governo pretende acelerar o programa de privatizações e liberalizar o comércio, proporcionando maior eficiência ao setor privado.
Juntamente com essas medidas, o presidente Zedillo está levando a cabo uma verdadeira reforma no âmbito político e jurídico para dar maior transparência às transações e restabelecer a confiança dos investidores no país.
Folha - Falando em privatizações, o senhor disse que o governo vai vender tudo menos a Petroleos Mexicanos. Quanto será arrecadado?
Valenzuela - Eu, na verdade, estava me referindo somente a alguns setores quando fiz esse comentário. Contudo, de fato o programa de privatizações previsto pelo governo Zedillo é bastante amplo e pretende arrecadar cerca de US$ 14 bilhões.
É importante ressaltar que não estamos vendendo empresas com o objetivo de arrecadar dinheiro. Lógico que o dinheiro é bem-vindo, mas o objetivo primordial é devolver a esses setores a capacidade de competir a nível internacional. Folha - Que setores estão incluídos no programa?
Valenzuela - Basicamente o setor de transportes, tanto rodovias, quanto ferrovias, portos e aeroportos; o setor energético e parte do setor de telecomunicações.
Folha - O senhor fala em liberalização do comércio, mas o ingresso do México no Nafta (Tratado de Livre Comércio da América do Norte) não foi justamente uma das causas da crise?
Valenzuela - Essa visão de que o Nafta foi prejudicial para a economia mexicana é errônea. O comércio entre os três países cresceu muito e isso foi salutar para todos. Ao contrário do que se pensa, não há desequilíbrio no comércio entre México e EUA.
O problema da balança comercial (exportações e importações) mexicana está no intercâmbio com Europa e Ásia, apesar de representar apenas 30% do total.
Nos últimos meses, em média, para cada dólar exportado para os EUA, o México importou US$ 1,06. Em compensação, para cada dólar exportado para Europa e Ásia, importamos US$ 3,26 e US$ 6,23, respectivamente.

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