São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995
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'Pontos cegos' e desconforto atingem Municipal

IRINEU FRANCO PERPETUO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Teatro Municipal de São Paulo tem 1.500 lugares, mas nem todos são para valer. Os ``pontos cegos" e o desconforto atormentam a vida dos espectadores dos concertos paulistanos.
O maior problema aconteceu num concerto dos Meninos Cantores de Viena. ``We can't see you", berrava o público localizado nas partes mais altas do Municipal, como as galerias e o anfiteatro. Resultado: assustados, os meninos se retiraram do palco, e o concerto acabou não acontecendo.
A maioria das críticas se volta contra o lugar mais elevado do Municipal, o anfiteatro, popularmente conhecido como ``poleiro". ``Sentado, ninguém vê nada. Só que, se todo mundo ficar em pé, não dá para ver nada também", reclama o economista Wilson Amorim.
Quando o Municipal foi construído, em 1911, fazia sentido sentar-se no anfiteatro para apenas escutar astros como Beniamino Gigli e Titta Ruffo. Hoje, entretanto, com o advento da tecnologia digital, já que é para não ver nada, é mais cômodo -e barato- ficar em casa escutando o CD.
``No Covent Garden, em Londres, também há pontos cegos, localizados atrás de colunas. Só que, lá, estes lugares são vendidos a duas libras, não a R$ 25", afirma o violonista brasileiro radicado em Londres Fábio Zanon, referindo-se aos preços dos ingressos dos recitais do violinista Gidon Kremer ocorridos quinta e sexta da semana passada, na temporada do Mozarteum Brasileiro.
Os pontos cegos são uma característica dos teatros dos tempos que a escritora americana Edith Wharton definiu como ``época da inocência", no final do século passado.
``Nos teatros daquela época, o público não ia apenas para ver, mas para ser visto. Por isso, eles eram construídos em forma de ferradura. Onde hoje se localizam os tubos do órgão, por exemplo, havia camarotes -um local péssimo para ver, mas ótimo para ser visto", explica o engenheiro César Jorge Maalouf, da Método Engenharia, responsável pela última reforma do Municipal.
``Antigamente, nos balcões, havia colunas que atrapalhavam ainda mais a visibilidade. Fizemos o possível para melhorar, mas, como o prédio é tombado, não dá para mexer muito", afirma Maalouf.
``O teatro está preso a um problema estrutural", diz Lauro Machado Coelho, diretor dos Corpos Estáveis do Municipal.
Além do problema da visibilidade, existe também o do conforto. Quem não se senta na primeira fileira da galeria, foyer ou balcão simples é obrigado a assistir o concerto em pé.
Quem fica na lateral destes lugares, além de se arriscar a ter o campo de visão obstruído por um holofote, tem que virar a cadeira na direção do palco para assistir ao espetáculo sem ter torcicolo. Toda esta movimentação povoa o teatro com um ruído incessante de ranger de cadeiras.
Coelho reconhece que as cadeiras são inadequadas. ``O teatro foi construído numa época em que as pessoas eram mais baixas. Por isso, as cadeiras são estreitas para o público de hoje, que tem que se mexer para se acomodar", afirma.
As queixas atingem até os lugares ``nobres" do teatro. José Roberto Prazeres, da Cultura FM, não gosta de assistir aos espetáculos na platéia: ``A visão é de baixo para cima. Perde-se todo o movimento, principalmente em espetáculos de dança".

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