São Paulo, domingo, 7 de maio de 1995
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Vento novo

No auge da crise cambial no início de março, o Banco Central sinalizou uma taxa de câmbio de US$ 0,93 por real para o início de maio. Era uma forma de indicar aos mercados que o governo estaria disposto, se necessário, a defender esse valor como teto para o câmbio. Como no auge da crise havia pessimistas imaginando que o dólar se valorizaria muito mais, o BC encontrava assim uma forma de acalmar a especulação e definir um limite para a desvalorização do real.
Pois maio chegou. O real encostou, na semana passada, em US$ 0,90. Ou seja, menos do que se esperava, o que se explica pela retomada cada vez mais vigorosa dos investimentos externos no Brasil.
Essa retomada transparece nas Bolsas, onde a participação do capital estrangeiro aumentou ao longo de abril. E se cristaliza nos dados diários de movimentação financeira, superavitários, indicando o início do retorno dos capitais que fugiram diante do temor de o Brasil repetir o México.
Como pano de fundo para a reversão de expectativas, viu-se o governo retomar a iniciativa, seja no campo da política econômica, seja no âmbito das negociações políticas. O fortalecimento da aliança governista, incorporando agora o PPR, ocorreu num momento especialmente oportuno.
Coincidiu com a superação de uma letargia no andamento da reforma constitucional, com a aprovação em primeiro turno pela Câmara dos Deputados da emenda sobre gás e com o encaminhamento, pelas comissões especiais, de emendas flexibilizando a definição de empresa brasileira e o monopólio do petróleo.
Mas, se por enquanto há motivos para comemorar, talvez o mais importante seja, ainda, refletir sobre os problemas do passado recente. A crise mexicana mostrou os limites de um modelo de ajuste e estabilização. Passado o pânico, seria ingênuo acreditar que tudo não passou de uma tempestade de verão.
Os fundamentos do Plano Real continuam carentes de solidez. O Ipea, órgão de assessoria do Planejamento, estima por exemplo que para chegar a um saldo comercial confortável até o fim do ano será preciso reduzir bastante a taxa de crescimento econômico, que passou dos 9% no primeiro trimestre (contra o mesmo período do ano passado). O Ipea aconselha um crescimento de 3% em 95 para obter equilíbrio externo.
Outro problemático fundamento da estabilização, apesar do alívio atual, é a própria taxa de câmbio. É bom que maio tenha chegado sem que fosse alcançado o nível de US$ 0,93. Mas é também crucial evitar a repetição do erro do segundo semestre do ano passado -a valorização progressiva do real.
Com juros elevadíssimos, restrições de toda ordem ao crédito e liberalização das regras para captação externa, será preciso evitar o quanto antes uma eventual remontagem de um ``cenário mexicano", de financiamento do desequilíbrio comercial com capitais especulativos e de curtíssimo prazo.
Além do crescimento e do câmbio ainda desequilibrados, deve-se estar alerta para a palidez do ajuste fiscal. De um lado, os juros reais extremamente elevados comprometem a saúde das contas públicas, além de afetar a economia em geral. De outro, sabe-se que com a redução no crescimento econômico, como quer o governo, fatalmente cairá a arrecadação de impostos. É portanto fundamental que o Planalto se mostre capaz de reduzir despesas, caso contrário surgirá um déficit em suas contas que pode jogar por terra o esforço estabilizador empreendido em outras frentes (crescimento e setor externo).
Não bastasse a enormidade do desafio de corrigir tais desequilíbrios fundamentais no crescimento, no câmbio e nas contas públicas, o governo enfrenta dificuldades no âmbito da inflação e da indexação. A economia brasileira parece estar entrando no que o economista Juarez Rizzieri, responsável pelo índice de inflação e agora presidente da Fipe, acaba de batizar de ``inflação negociada".
Segundo a Fipe, a inflação de abril foi de 2,64% no município de São Paulo. É um número bem superior à média mensal de 1,35% registrada no primeiro trimestre. Em janeiro a taxa estava em 0,8%. E a alta ocorreu antes ainda do aumento do salário mínimo e dos aumentos de carros, cigarros, leite etc.
É muito animador que um bom vento tenha afastado as nuvens negras que se acumulavam sobre o Plano Real. Mesmo assim, a viagem é longa e será preciso navegar com muito engenho e arte.

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