São Paulo, segunda-feira, 8 de maio de 1995
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O barulho e os políticos

LUÍS NASSIF

Em frente de casa, está sendo construído um prédio. É na região da Paulista, zona densamente habitada. A construtora trabalha em dias de semana, fins de semana, feriados e dias santos de guarda. É capaz de colocar um trator operando em pleno domingo. Ontem, foi a vez de um misturador de cimento enlouquecedor.
O que ela faz é proibido por lei. Mas não a atemorizam nem a lei, nem os fiscais.
Todos os dias úteis, às 9 da manhã, um camelô motorizado faz ponto cinquenta metros abaixo, com um megafone infernal, oferecendo uvas de Vinhedo, pamonhas de Piracicaba e o que mais vier.
A contravenção é praticada à luz do dia, na cidade mais populosa e mais rica do continente. Não há defesa contra ela. A barulhada deixa tensos os habitantes, provoca desajustes pessoais e familiares e aumenta a ineficiência do trabalho. Qualquer estrangeiro com um mínimo de familiaridade com normas comezinhas de civilização, escandaliza-se com o barulho das grandes cidades brasileiras.
A responsabilidade em coibí-la é das prefeituras. Mas elas nada fazem. No caso de São Paulo, a regional da Sé -responsável pela área- tem um serviço de atendimento das queixas, com duas funções. A primeira, é registrar a queixa e confirmar que ambos os barulhos são ilegais. A segunda, explicar porque a contravenção não é coibida.
Caminhões de som não podem ser autuados, porque se movem (e provavelmente porque os fiscais incumbidos de zelar pelo silêncio ensurdeceram no exercício da profissão). Mas e o prédio, que não se move? É porque há apenas dois fiscais incumbidos de zelar pelo cumprimento da lei do silêncio.
Incompetência reiterada
Incompetência? Uma análise rigorosa da vida pública brasileira vai demonstrar que atrás de toda incompetência reiterada existe interesses políticos muito explícitos, atropelando os direitos da cidadania.
Para governar o prefeito Paulo Maluf firmou acordos com a Câmara de Vereadores. Cada aliado ganhou uma sub-prefeitura regional -o órgão de administrar o dia-a-dia.
Nada funciona nessas regionais. Registros de novas construção são morosíssimos. A facilidade com que se aceitam barulhos de caminhões, de bares e danceterias indicam muito mais do que mera falta de fiscais.
Corre na Câmara Municipal, inclusive, uma CPI para investigar a cobrança de propinas por fiscais. Suspeita-se de um notável emaranhado de arrecadação ilegal. A CPI só saiu depois que a reportagem da rádio Bandeirantes conseguiu depoimentos de camelôs denunciando a cobrança sistematizada de propinas. Mas participam delas vereadores premiados com as indicações.
De um lado, esse acordo esfrangalha a cidade. De outro, dá margem ao prefeito para agir com toda liberdade, como ocorreu na caso da licitação do lixo. A Câmara não reage, porque já recebeu seu quinhão, o Tribunal de Contas do Município também não.
Ficamos todos, na maior cidade do continente, orgulho do país, centro da modernização de costumes, presos a um padrão político do Segundo Império.
E os cidadãos encaram os esquemas políticos com o ar blazé de quem não se dá conta que é responsável por grande parte das neuroses que habitam seu dia-a-dia.

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