São Paulo, terça-feira, 9 de maio de 1995
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EUA pensaram em punir militares brasileiros em 65

GILBERTO DIMENSTEIN
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Pressionado pela imprensa e pelo Congresso, o governo dos EUA estudou a possibilidade de punir, em outubro de 1965, o regime militar brasileiro, suspendendo a ajuda econômica. Essa ajuda era vital à recuperação do país.
Uma visão histórica recorrente é a de que os EUA não apenas articularam o golpe militar, mas apoiaram seu endurecimento já nos primeiros momentos. Motivo: destruir a esquerda.
``Havia muita irritação com o retrocesso político e a crescente influência da linha dura. A punição seria uma alternativa para dar uma lição aos demais governos da América Latina", disse ontem à Folha o então embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon.
Os EUA vinham apoiando o Brasil em áreas críticas, que iam de novos acordos do café e açúcar, passando por empréstimos diretos, reescalonamento da dívida, até a abertura de portas em entidades como Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial.
A alternativa da punição foi tratada em documento enviado por Gordon, em novembro de 1965, ao conselho de segurança da Casa Branca, onde se via com preocupação o Ato Institucional 2, baixado em outubro pelo então presidente Castello Branco.
``O jornal ``The New York Times" vinha batendo duro nos desvios do regime militar, o que se somava à crescente irritação dos democratas no Congresso", disse Gordon. O governo americano buscava alternativas diante da crise provocada pelo avanço da linha dura na política brasileira.
Os radicais estavam por trás do AI-2 que, entre outras coisas, extinguiu os partidos, tornou indireta a eleição de presidente e tirou poderes do Congresso e Judiciário
Os relatórios da CIA (Agência Central de Inteligência) já sinalizavam com a possibilidade de o regime militar descambar para uma ditadura. Essa guinada, imaginava, seria capaz de produzir uma guerra civil.
No seu texto, do qual se lembra hoje vagamente, Lincoln Gordon admitia que a punição ao Brasil, com a suspensão da ajuda, seria um bom exemplo aos demais governos da região. ``Poderíamos suspender a ajuda no campo político, proporcionando sua retomada se e quando a democracia for totalmente restabelecida", escreveu.
O embaixador oferecia também uma alternativa menos drástica. Ao invés de eliminar a ajuda, apenas mantê-la num nível mínimo para evitar o colapso das contas externas brasileiras.
Gordon ofereceu essas duas alternativas, ambas imaginadas no Departamento de Estado, mas tratou de dinamitá-las com argumentos. Segundo ele, apenas iriam piorar a situação, isolando ainda mais Castello Branco.
As punições, segundo ele, iriam levar à desestabilização da equipe econômica chefiada pelo então ministro do Planejamento, Roberto Campos. Além disso, ``enfraqueceria a capacidade de Castello Branco resistir aos militares".
``Essa decisão encorajaria todas as forças negativas nacionalistas", está registrado em seu texto, arquivado na biblioteca Lindon Johnson, no Texas, e na Fundação Getúlio Vargas.
Sobre a possibilidade de, ao invés de cortar a ajuda, reduzi-la, o embaixador considerou a pior de todas. ``Não daria sequer a vantagem de mostrar uma clara postura a favor da democracia na América Latina", comentou.
``Isso iria reduzir criticamente nossa capacidade de influenciar as decisões econômicas e políticas", registrou. Gordon estava convencido de que o Brasil corria o risco de uma guerra civil ou da tomada de poder por militares nacionalistas, sem simpatia pelos EUA.
Na época, era tudo o que os Estados Unidos temiam, preocupados com a guerra do Vietnã e, mais próximos de seu território, com Cuba, governada pelo comunista Fidel Castro.
A postura foi de prestigiar pessoalmente Castello, com recursos financeiros -o que serviria de um sinal claro para desestimular a linha dura e os nacionalistas.
O governo americano ficou convencido de que, caso apostasse num boicote econômico, o distúrbio seria ainda maior, facilitando o caminho ao autoritarismo. Uma rota que acabou se consumando com o AI-5, em 1968.

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