São Paulo, quarta-feira, 10 de maio de 1995
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Oposição, esquerda e reforma

DOMINGOS LEONELLI

Assisti, outro dia, na Câmara dos Deputados, a parlamentares de esquerda aplaudindo um deputado da bancada ruralista que atacava o presidente Fernando Henrique Cardoso. Meu velho espírito bolchevique incorporou-se e, imediatamente, entrei na defesa do presidente contra os latifundiários vitoriosos.
Em algumas cidades brasileiras, setores da esquerda aceitam utilizar-se dos meios de comunicação, controlados pelos conservadores, para atacar prefeitos e governadores democráticos e de esquerda. Disso resulta, obviamente, que o controle da iniciativa política fica com os detentores do monopólio dos meios de comunicação. Tudo em nome do imediatismo oposicionista.
Mas por que esta falta de grandeza revolucionária? Será que o espaço deixado pela falta de um projeto nacional está sendo ocupado pela raiva oposicionista? Será que não somos capazes de compreender que o enfrentamento com a onda neoliberal não pode se dar apenas no terreno da resistência?
A esquerda brasileira parece ter muita dificuldade para identificar o profundo abismo entre os conceitos de revolução e oposição. O estado paternalista e cartorial acabou possibilitando o surgimento de uma esquerda reivindicatória e oposicionista, que relegou a revolução às calendas da discussão teórica.
Os setores mais organizados da esquerda no Brasil não incluem, no dia-a-dia de sua luta, uma verdadeira perspectiva revolucionária. Não articulam o interesse dos segmentos que representam com propostas estruturais que atendam aos interesses das grandes maiorias. Antes de pensar nos milhões de desempregados, pensam nos milhares de empregos organizados.
A agenda sindical da CUT/PT é atual e até moderna, pois inclui, além de melhores salários, melhores condições de vida e trabalho. Mas a transformação das estruturas econômicas, sociais e culturais do Brasil não se articula com a sua prática política cotidiana. E isso talvez explique o apego conservador, ou, melhor dizendo, conservacionista, aos valores da revolução nacional-libertadora da era getuliana.
O PT, como o grande partido da moderna classe operária brasileira, substituiu o velho PCB em São Paulo e, com a ajuda da igreja, reorganizou esplendidamente o movimento sindical paulista e do Centro-Sul brasileiro. Mas, quando se trata da questão nacional, junta-se ao PDT, legítimo herdeiro da visão histórica de Getúlio Vargas, autolimitando-se na adoção das linhas mestras do modelo de desenvolvimento gestado na década de 40 e colocado em prática em nosso país nos anos 50 e 60.
Essa etapa de nossa história econômica, baseada na substituição de importações, é, sem dúvida, parte deste amplo processo que se chama de revolução brasileira, mas alguns dos seus conceitos -porém não todos- esgotaram-se com esse modelo. Quando, no entanto, os partidos da esquerda -em sua maioria- reagem às tentativas de alteração deste modelo apenas com um ``não" sem alternativas, o presidente Fernando Henrique Cardoso passa a ter alguma razão referindo-se a tal postura como reacionária.
Não quero dizer, de forma nenhuma, que as propostas de reforma constitucional do governo tenham caráter revolucionário. Trata-se de um ``aggiornamento", como o próprio FHC reconheceu em recente discurso na solenidade de abertura do Seminário sobre Concessões de Serviços Públicos.
As reformas de ordem econômica não são, em si, transformadoras ou revolucionárias. E, principalmente, não estão acopladas a propostas de política industrial e de regulamentação que traduzam os objetivos do governo. Estão redigidas de forma excessivamente simplista e aberta para um mundo político que aprendeu a confiar mais na Constituição que nas leis. E, politicamente, apresentadas numa ordem pefelista: mais importante para o Brasil e para o Plano Real, a reforma tributária será a última.
Mesmo assim, algumas reformas são necessárias e é preciso reconhecer legitimidade e certa justeza na pretensão do governo FHC em atrair capitais privados para financiar setores para os quais o Estado já não pode nem deve fazê-lo.
Creio que o melhor caminho para a esquerda seria transformar seu ``não" inicial em alterações ou novas propostas, visando a preservação das poucas conquistas sociais do atual modelo -acesso subsidiado a serviços de energia elétrica e telefonia, por exemplo-, bem como visando fortalecer os valores do trabalho, da democracia e a própria soberania nacional.
A emenda que apresentei para o setor do petróleo demonstra que é possível preservar o monopólio estatal e atrair capitais privados, para associados à Petrobrás ou a outras estatais atuarem no setor.
Nada mais equivocado e, na verdade, contra-revolucionário do que a frase ``si hay gobierno, soy contra".
Se não formos capazes de propor reformas transformadoras, alterando ou substituindo as propostas apresentadas pelo governo, correremos o risco de perder tudo no Congresso Nacional e ver a esquerda brasileira dividir-se em grupamentos oposicionistas a Mário Covas em São Paulo, a Lídice da Mata em Salvador, a Cristovam Buarque em Brasília e a Fernando Henrique no Brasil.
Uma verdadeira revolução precisa ser realizada, na educação, na saúde, na política cultural, nas comunicações e, de forma geral, uma ``revolução de prioridades", como propõe Cristovam Buarque. Revolução ou revoluções, não oposição.

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