São Paulo, quarta-feira, 10 de maio de 1995
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Cecilia Bartolli acha antiquado ser diva

LUÍS ANTÔNIO GIRON
DA REPORTAGEM LOCAL

A meio-soprano italiana Cecilia Bartolli, 30, é a diva emergente na cena lírica internacional. Ela se apresenta no teatro Cultura Artística em São Paulo dias 28 e 30 de julho, acompanhada pelo pianista norte-americano Steven Blier.
Cecilia falou ontem à Folha, por telefone, de Viena, onde protagoniza desde sábado a versão histórica da ópera ``Orfeo", de Franz-Josef Haydn (1732-1809), sob regência do maestro austríaco Nikolaus Harnoncourt. A Ópera de Viena veio abaixo.
Seu recital integra a temporada da Sociedade de Cultura Artística. Os ingressos ainda não estão à venda, mas tudo indica que as filas para os aspirantes a assistir ao espetáculo farão jus às dos concertos de rock.
Cecilia nasceu em Roma e é filha de cantores líricos, com quem iniciou os estudos. A decolagem de sua carreira se deveu a uma aparição charmosa na TV e ao ``hype" do maestro austríaco Herbert von Karajan (1908-1989). O ``Kaiser" , como era conhecido, catapultou La Bartolli para o estrelato na apresentação da ``Missa em Si Menor", de Bach, durante o Festival de Páscoa de Salzburgo.
Desde então, trabalhou com todos os principais condutores, do norte-americano James Levine ao italiano Claudio Abbado.
Ela chamou atenção pela voz rotunda associada a uma precisa coloratura (dom de elaborar ornamentos em alta velocidade) e a preferência por um repertório lírico ligeiro dos séculos 18 e começo do 19, de Rossini e Mozart. É a primeira cantora da linha histórica -que restaura métodos de interpretação da época da composição- a ter chegado à ``mainstream" do mercado erudito.
Ainda não enfrentou papéis mais dramáticos, como ``Carmen", de Bizet. Mas ninguém pode negar que ela fez 50 anos em cinco. Atalhou o caminho habitual das divas por meio de um fôlego assombroso, que lhe permite pular de continente a continente e de dominar mercados tão díspares, como o americano e o europeu.
Coleciona grandes papéis e três dos seus seis CDs solos (e uma dezena de óperas completas, em que sempre está na linha de frente) figuraram há dois anos na lista de mais vendidos da revista ``Billboard". Esta é a sua primeira turnê sul-americana.

Folha - O que você acha do rótulo que lhe atribuem, de diva emergente?
Cecilia Bartolli - Isso é totalmente antiquado. Estamos quase no ano 2000 e não tem nada a ver uma cantora assumir essa postura. Quando penso em diva vejo Maria Callas. O público me trata muito bem e quando me chama de diva eu acho engraçado.
Folha - Você vive a rivalidade das colegas ou prefere evitar o confronto de estrelas?
Cecilia - Gosto demais do que faço para me preocupar com a rivalidade comum em meu meio. Rivalidade é um esporte praticado por quem não tem auto-estima.
Folha - A que você atribui a rapidez do seu sucesso?
Cecilia - Sempre canto o que gosto e me preparo bem para isso. O público percebe e me impulsiona. O grande segredo está no calor do público.
Folha - Você já sentiu os públicos europeu e americano. Quais são as diferenças? O que você espera do sul-americano?
Cecilia - Há tantas diferenças entre os públicos americano e europeu quantas do italiano para o alemão. Mas todos me pareceram muito calorosos. O americano tem suas idiossincrasias e, por exemplo, consagrou meu disco ``Árias Antigas", que passou despercebido na Europa. O público europeu tem uma tradição que o afasta do entusiasmo fácil. Sei que o sul-americano é o mais quente de todos!
Folha - Que importância você dá à cultura de massa?
Cecilia - Considerar essa realidade é inevitável para uma cantora lírica. Hoje não há como escapar dela. A televisão foi importante para minha carreira, mas acho que a música deve ser ouvida nos teatros, nos concertos e nas óperas.
Folha - Você gravaria um disco pop, como muitas de suas amigas?
Cecilia - Um disco de pop? Hum... Acho que gravaria um com canções populares de Ravel. Só gravarei um disco de pop quando não tiver mais nada para fazer. Nesse dia terei duas opções: gravar um disco pop ou ir à praia. Escolheria a praia e, aliás, estou doida para conhecer as famosas praias do Brasil. Vou arranjar um tempinho para visitar o litoral.
Folha - Que repertório você cantará no Brasil?
Cecilia - Tenho três programas com a bela música de Bellini, Rossini, Mozart, Vivaldi, Paisiello. Tudo o que eu gosto.
Folha - Como foi sua formação?
Cecilia - Estudei com meus pais. Minha mãe é soprano. Meu pai, tenor. Minha mãe, principalmente, ensinou tudo o que sei.
Folha - Como você define seu estilo de abordagem?
Cecilia - Gosto mais de me apresentar ao vivo do que gravar discos. O disco tem um caráter de divulgação e documentação. Sou uma intérprete da linha histórica, vou até Bellini. Jamais cantaria Verdi, Puccini, os veristas. Não sou dada a exageros. Acho que o canto deve dar espaço à fala e à doçura. Para mim, o mais importante é cantar o mais naturalmente possível, com muito prazer.

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