São Paulo, quarta-feira, 10 de maio de 1995
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A importância de fazer erros

BILL GATES
ESPECIAL PARA A FOLHA

No mundo das corporações, quando alguém comete um erro, todos correm para se esconder. Na Microsoft, tento acabar com esse tipo de postura.
É ótimo comemorar o sucesso, mas é mais importante considerar as lições do fracasso. Em uma empresa, o modo de lidar com os erros é indicador de sua capacidade de revelar as melhores idéias e talentos de seu pessoal, bem como de sua capacidade efetiva de responder a mudanças.
A mensagem que eu quero que um administrador transmita é: ``Não culpo ninguém em particular por esse problema. O que me importa é nossa capacidade de reorganização para apresentar uma nova abordagem e resolvê-lo."
Em 1984, depois que a Microsoft lançou uma versão da planilha ``Multiplan" para o computador Macintosh, da Apple, descobrimos que ela continha um erro capaz de danificar dados.
Quando os membros da equipe da Multiplan me informaram sobre o problema, perguntaram-me se deveríamos enviar uma versão corrigida e gratuita aos 20 mil consumidores do produto.
Eu disse que sim. Não houve debate, não houve discussão. A resposta era óbvia.
Pouco antes de sair, o chefe da equipe disse: ``Mas isso vai custar um monte de dinheiro." De fato, custou quase US$ 250 mil.
``Só porque é ruim não quer dizer que existe o que discutir", repliquei. ``Um dia você vai trabalhar e perde um quarto de milhão de dólares. No dia seguinte você volta e tenta fazer melhor."
Aparentemente as pessoas esperavam de mim uma reação mais forte, mas uma reação mais forte não traria lucro algum. Também não seria lucrativo gastar mais um minuto com aquela reunião.
Reagir a um erro com calma e de modo construtivo não é o mesmo que não levar o erro a sério. Cada empregado precisa entender que a administração se preocupa com erros e está no comando quando se trata de resolver problemas. Mas contratempos são normais, até quando se trata de pessoas e empresas que estão em fase de experimentar coisas novas.
Quando os empregados sabem que os erros não vão levar a castigos, cria-se uma atmosfera na qual as pessoas se dispõem a apresentar idéias e a sugerir mudanças. Isso é importante para o sucesso de uma companhia a longo prazo. E extrair lições dos erros reduz a possibilidade de que eles se repitam ou sejam acobertados.
Eu mesmo cometi alguns erros bastante caros. Um deles também relacionado à primeira versão da ``Multiplan", lançada em 1981, que rapidamente estava funcionando em mais de cem computadores diferentes, incluindo o então novíssimo PC IBM.
Minha mancada foi insistir que o ``Multiplan" funcionasse no Apple 2, um computador popular, mas pouco poderoso. Para fazê-lo funcionar, deixamos de lado a implementação de algumas características que exigiriam potência maior.
A Lotus, empresa nova àquela altura, não cometeu o mesmo erro. O ``Lotus 1-2-3" foi projetado expressamente para o PC IBM, mais poderoso. A planilha ``Lotus" funcionava mais rápido que a ``Multiplan" e tinha funções de gráfico e banco de dados simples.
Meu erro -a aposta muito modesta na ``Multiplan"- tirou o programa do páreo das planilhas.
Recentemente, tive participação em um erro do tipo oposto. A Microsoft lançou uma versão do ``Word para Macintosh" que exigia mais recursos do que dispunham as máquinas de muitos de nossos usuários. Isso nos obrigou a uma tremenda luta para conseguir uma versão modificada.
Felizmente, o conselho administrativo da Microsoft não vai me demitir por participar nesse erro -pelo menos, acho que não vai. Mas, hoje em dia, nem todos os diretores executivos de empresas podem sentir-se tão seguros.
Nos últimos anos, mundialmente, muitos diretores estão sendo substituídos à medida que os conselhos administrativos das corporações tornam-se mais ativos, em parte como resposta a pressões dos acionistas.
Há pouco tempo, por exemplo, Maurice Saatchi foi derrubado da presidência do conselho administrativo da Saatchi & Saatchi, Joseph Antonini perdeu os cargos de presidente e diretor executivo da Kmart Corporation e William J. Agge foi demitido da presidência da Morrison Knudeen Corporation, da direção executiva e também da presidência do conselho administrativo da empresa.
Essas ações específicas dos conselhos administrativos podem ser discutíveis mas, de modo geral, é bom que os diretores executivos estejam ameaçados.
Eles recebem os maiores salários e ter a pessoa certa é essencial. Mas mesmo os diretores devem ter o direito de cometer alguns erros.
John Roach, diretor executivo da Tandy Corporation, foi muito criticado, há alguns anos, por um desempenho pouco brilhante na rede de lojas Radio Shack. Conheço John desde os primeiros dias da indústria do PC, quando costumávamos negociar um com o outro.
Fiquei feliz quando os membros de seu conselho administrativo decidiram apoiá-lo -e tenho certeza de que eles também-, já que, sob sua liderança, a Tandy reagiu criando duas novas redes de superlojas de produtos tecnológicos, a Circuit City e a Incredible Universe. As duas são grandes sucessos, e John merece o crédito por elas.
Falando francamente, um dos desafios enfrentados pela Microsoft é o fato de que muitos de seus empregados ainda não conhecem bem o fracasso. Alguns poucos nunca estiveram envolvidos em um projeto que não deu certo. O resultado é que podem passar a considerar o sucesso uma coisa garantida, o que é perigoso.
Com isso em mente, deliberadamente recrutamos alguns administradores com experiência em companhias fracassadas. No final de 1992, por exemplo, contratei Craig Mundie para supervisionar boa parte de nossos esforços pelo desenvolvimento da superinfovia. Uma década antes, Mundie foi co-fundador da Alliant Computer Systems, que acabou saindo do negócio quando o mercado para supercomputadores secou.
Mundie compreendeu seus erros e tirou deles lições profundas. Acho que essa é uma das razões pelas quais ele acabou mostrando-se um de nossos vice-presidentes mais hábeis. Se pudesse, contrataria outros dez iguais a ele.
Alguém, ele ou ela, que já tenha dirigido uma operação que perdeu dinheiro, realmente teve de se perguntar: ``Ok, por que temos tantos engenheiros? Para quem estamos vendendo? A quem podemos nos aliar?"
Quando você está fracassando, é forçado a ser criativo, a ir mais fundo em suas buscas e a pensar muito, noite e dia.
Toda empresa precisa de gente que passou por isso. Toda empresa precisa de gente que cometeu erros -e tirou o máximo deles.

Cartas para Bill Gates, datilografadas em inglês, devem ser enviadas à Folha, caderno Informática -al. Barão de Limeira, 425, 4º andar, CEP 01202-900, São Paulo, SP- ou pelo fax (011) 223-1644. A correspondência também pode ser enviada diretamente a Bill Gates no endereço eletrônico askbill microsoft.com.

Tradução de LUCIA BOLDRINI

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