São Paulo, quinta-feira, 11 de maio de 1995
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O Brasil precisa de gás

UEZE ZAHRAN

A greve dos petroleiros, que reduz nos últimos dias o fornecimento de gás liquefeito de petróleo (GLP) nas principais capitais, está longe de representar o maior risco para os consumidores do produto. O estado de insolvência para o qual caminham as empresas distribuidoras é, na realidade, a maior ameaça. Em pouco tempo não será um fato circunstancial, como uma greve, mas uma crise muito mais ampla que poderá deixar sem o GLP cerca de 130 milhões de brasileiros.
As companhias distribuidoras de gás liquefeito são, de fato, portadoras de enorme responsabilidade social. O GLP responde por 87% do consumo de gás no Brasil. Há quase 30 mil concessionários envolvidos com a distribuição do botijão de GLP no país. Em inúmeras regiões, o produto é o único capaz de atender a segmentos de baixíssimo poder aquisitivo, chegando a áreas desprovidas de qualquer infra-estrutura.
Nos últimos anos, porém, esta importância é sistematicamente ignorada. Alguns dados ilustram a impossibilidade de sobrevivência de empresas distribuidoras e de revendedores.
Um primeiro dado refere-se à irracionalidade do congelamento de preços no setor. O atual preço cobrado por botijão de 13 kg é R$ 3,84. Seu consumo atende às necessidades mensais de uma família de cinco pessoas. Convertendo o preço para o consumo diário, o gás liquefeito custaria em torno de R$ 0,12. Uma passagem de ônibus, um maço de cigarro e um cafezinho custavam, em fevereiro, respectivamente R$ 0,35, R$ 0,84 e R$ 0,25.
O Brasil cobra, efetivamente, o menor preço do mundo. Nosso preço máximo por tonelada é cinco vezes menor que o do Peru, quatro vezes menor que o da Argentina, três vezes menor que o do Uruguai e quase a metade do cobrado por Chile e Paraguai. Não é preciso nem sequer sair da América do Sul para constatar o absurdo. O gás não chegou, ainda, aos tempos de Mercosul ou de tarifas comuns no Brasil.
Os revendedores de gás liquefeito vivem situação ainda pior. Um concessionário-padrão precisa de uma estrutura mínima de pessoal que remonta a sete pessoas: um motorista, três serventes, uma telefonista, um contador e um guarda-noturno. Uma concessionária deve contar com pelo menos seis extintores de pó químicos seco e duas carretas portáteis.
Com o ganho limitado a R$ 0,33 por botijão de 13 kg, a situação de inviabilidade de um concessionário é gritante. Se vender 3.000 botijões num mês (um numero bastante razoável), sua rentabilidade bruta (3.000 x R$ 0,33) será de R$ 999,00. Como dar conta, com esta rentabilidade, de folha de pagamento, encargos, aluguéis, água, luz e combustível?
O panorama oferecido explica a dificuldade para sustentar o quadro de funcionários, comprar novos botijões, zelar pela segurança do consumidor (empreendendo a requalificação destes mesmos botijões), renovar a frota de caminhões de transporte (sua idade atual ultrapassa os 12 anos), instalar novos tanques (cuja capacidade de armazenamento equivale a dois dias de vendas, contra os cem dias das empresas japonesas) e manter a competitividade.
As empresas distribuidoras caminham pela estrada livre e desimpedida da insolvência. Se não houver uma mudança de rota por parte do governo federal, todo um setor será riscado do mapa econômico do país. É preciso ter em mente que uma economia que se pretende estável deve conferir estabilidade por inteiro.
É inaceitável que apenas alguns setores prosperem, enquanto outros permanecem à margem do desenvolvimento. Não é esse o melhor caminho para a conquista do crescimento auto-sustentado, da estabilização e da justiça social.
Não se trata de corrigir preços para proporcionar maiores lucros ou rentabilidade. Esta correção é o combustível essencial para manter os empregos e a subsistência de milhões que dependem do GLP em seu consumo diário. É o combustível para evitar as explosões cada vez mais frequentes de botijões, muitas delas com vítimas fatais.
O quadro crítico exposto está, de fato, na raiz destas explosões. Falta dinheiro para as requalificações, vitais para a segurança e para a redução dos acidentes. Além disso, algumas distribuidoras, para não comprar novos botijões, enchem os de companhias rivais, facilitando a ocorrência de novos acidentes.
É preciso que a requalificação seja fiscalizada em todo o Brasil e que cada companhia seja obrigada a pintar cores diferenciadas em seus botijões para evitar a pirataria.
É chegado o momento de aplicar por inteiro, a todos os setores da economia, os princípios que deveriam nortear o pretendido fim da era Vargas. Há setores privados no Brasil tão estatizados quanto os reconhecidamente estatais. Não basta ostentar o estatuto de empresa privada. É preciso ter liberdade para, de acordo com as necessidades do mercado (ainda o regulador ideal), estabelecer preços, margens de lucro, zelar pelas condições de segurança, gerar novos empregos etc. As empresas distribuidoras de gás liquefeito e seus milhões de consumidores em todo o país, penhorados, agradeceriam.

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