São Paulo, quinta-feira, 11 de maio de 1995
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O inferno e as autoridades

CLÓVIS ROSSI

SÃO PAULO - Ao chegar segunda-feira a São Paulo, imaginei que nada poderia ser pior do que enfrentar o trânsito da cidade na hora do rush e com greve do metrô. Suspeitei que levaria uma vida para chegar até a zona sul.
Levou, de fato, 90 minutos, quase o dobro do que seria normal, se é que existe hoje em São Paulo algum dia ou momento de normalidade no trânsito.
O pior é que pode, sim, haver algo pior do que chegar a São Paulo na hora do rush e em dia de greve do metrô. É locomover-se em São Paulo em dia de greve do metrô, com chuva, qualquer que seja a hora, de rush ou não.
A cidade virou o inferno previsível. Sei que em qualquer cidade do mundo, de média para a cima, o trânsito piora muito quando chove. É natural. Mas chegar-se ao ponto a que se tem chegado nas grandes cidades brasileiras já é um absurdo.
Deve haver maneiras mais civilizadas de viver-se do que perder tantas horas confinado a um ônibus ou carro preso a congestionamentos que parecem nunca ter fim. Como deve haver maneiras mais civilizadas de viver-se do que o medo permanente do cariocas de que a próxima ``bala perdida" alcance alguém da família, se não a própria pessoa.
Instalou-se no Brasil um enorme descompasso entre o que fazem (ou deixam de fazer) e pensam as autoridades e o cotidiano dos mortais comuns. O governo parece pensar apenas em déficit público, balança comercial, inflação, câmbio etc.
É óbvio que tais coisas são importantes, fundamentais até. Mas, enquanto isso, a vida continua, se é que dá para chamar de vida o ritmo imposto principalmente a paulistas e cariocas.
Descompasso talvez explicável porque as autoridades não sofrem na pele os problemas do cotidiano. Têm à mão aviões, helicópteros, batedores, seguranças e um batalhão de assessores para resolver os problemas que os mortais comuns enfrentam na solidão de seus próprios meios, quando não na ausência absoluta deles. Não é de espantar que o tal de povo faça a nítida distinção entre ``eles" (as autoridades) e ``nós" (o resto).

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