São Paulo, quinta-feira, 11 de maio de 1995
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Contra a honra, não

ANTONIO AUGUSTO NEVES

As ações dos servidores militares estão profundamente marcadas pela sua formação especialíssima. O controle do poder que exercitam e da força de que dispõem, para que suas ações transcorram nos estritos limites da lei, é fundamental à garantia da liberdade dos cidadãos, da sociedade civil e do primado do Direito e da justiça.
Compete às autoridades administrativas, aos comandantes nos diversos graus, estimular a correção de atitudes e punir os faltosos nos casos de ofensa à disciplina nas suas manifestações mais simples -as transgressões disciplinares- com sanção disciplinar. À Justiça Militar cabe reprimir a lesão mais grave, o crime militar, cominando ao réu a sanção legal -a pena.
Para aplicação de direito tão diferenciado, com objetivos tão específicos se faz mister uma Justiça especializada, a Justiça Militar. O que se leva em conta para a fixação da competência criminal dos tribunais militares não é a condição militar do agente, mas sim a especificidade dos interesses ofendidos, isto é, a índole militar do dever violado. O foro militar não é, pois, para os delitos dos militares, mas para os delitos militares.
Vale lembrar que a Justiça Militar integra o Poder Judiciário e não as instituições armadas, como afirmam alguns interessados em confundir a opinião pública. É uma Justiça especializada, como igualmente o são a Justiça Trabalhista e a Justiça Eleitoral.
A Justiça Militar Estadual, competente para processar e julgar os policiais militares nos crimes militares definidos em lei, foi criada com base na lei federal 192/36. Os argumentos daqueles que proclamam a necessidade de podá-la nos seus órgãos e competência baseiam-se em presunções ou certos comprometimentos ideológicos, sem o conhecimento, sequer superficial, dos fundamentos da sua existência, do seu funcionamento e do direito especial que aplica.
Já em 1958, no projeto de lei nº 4.451 apresentado à Câmara Federal, o então deputado federal Ulysses Guimarães propunha que os crimes praticados pelos policiais militares no exercício ou em razão da função policial fossem da competência da Justiça Militar Estadual.
Seguindo a mesma linha de raciocínio, em 1962 o presidente João Goulart sancionou a lei nº 4.162, que alterava a redação da letra ``l" do artigo 88 do Código de Justiça Militar, ampliando a competência da Justiça Militar para julgar os crimes cometidos pelos militares quando praticados em serviço de natureza policial, ainda que contra civis.
Nos dias atuais, face à redação dada pelo legislador constituinte ao artigo 125, parágrafos 3º e 4º, da Constituição de 88, repetindo totalmente o contido na emenda constitucional 7/77, foi consagrado o entendimento de ser a Justiça Militar estadual a competente para processar e julgar os policiais militares pelos crimes praticados no policiamento, face reiterada jurisprudência.
Muito se tem falado sobre a redução da competência da Justiça Militar. A precipitação do assunto tem, sem dúvida, o fito de impressionar os parlamentares federais, em razão da votação, em breve, do projeto de lei que trata de modificação no conceito de crime militar, bem como preparar terreno para reduzir a competência constitucional dessa Justiça especializada na propalada revisão no capítulo do Poder Judiciário.
Reconhece-se que algumas modificações são necessárias na legislação penal militar. O uso da arma da corporação na prática de um crime não deve determinar a competência para o julgamento do processo. Entretanto, quando o militar, mesmo de folga, atender a uma ocorrência em razão da função, caso cometa uma infração penal nessa ação deverá ser julgado na Justiça Militar. Esses dois pontos já foram apreciados pela Câmara dos Deputados ao aprovar o projeto de lei nº 2.801-B/92.
Além desses tópicos, foi aprovado também, nesse mesmo projeto, que os crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis, com motivação estranha ao exercício da função, seriam da competência do Tribunal do Júri.
No Senado Federal, toda essa matéria está incluída no projeto de lei da Câmara nº 102/93. Espera-se que a matéria seja aprovada sem emendas, para a sua rápida entrada em execução, pois, caso contrário, terá de retornar à Câmara Federal para reapreciação.
Uma orquestrada campanha procura mostrar a Justiça Militar como corporativista e condescendente com policiais criminosos. Afirmações inverídicas, reiteradas sempre pelas mesmas pessoas, ante a ausência de contestação acabam ganhando foros de verdade.
Basta que se destaque o fato de os promotores e o procurador de Justiça, que atuam como representantes do Ministério Público junto à Justiça Militar Estadual, não terem qualquer vinculação com essa Justiça especializada para que se conclua do absurdo daquelas insinuações, pois poderão recorrer de qualquer decisão que julguem inadequada.
Assim sendo, os que afirmam que a Justiça Militar realiza julgamentos viciados estão, implicitamente, acusando também esses dignos representantes da sociedade de coniventes com a situação, pois são os fiscais da lei.
Sabe-se, entretanto, que a eliminação da Justiça castrense é apenas um passo para se alcançar o objetivo real dos que assim agem: conseguir a desmilitarização das Polícias Militares, sindicalizar as suas tropas e filiá-las a centrais sindicais.
Com isso se quebrariam os princípios de hierarquia e disciplina das milícias estaduais e do Distrito Federal, impossibilitando-as de agir de acordo com o interesse público.
As críticas feitas à Justiça Militar fazem parte do jogo democrático e são recebidas como um instrumento para que se aperfeiçoe a instituição e se corrijam as possíveis falhas. O que não se pode aceitar, entretanto, são os pronunciamentos que, atingindo a honra e a dignidade dos juízes que militam nesse ramo especializado da Justiça brasileira, atingem, na realidade, a todo o Poder Judiciário e, por isso, receberam o repúdio da Associação dos Magistrados Brasileiros, que fez expedir nota oficial em congresso nacional de magistrados realizado na cidade de Vitória (ES).

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