São Paulo, quinta-feira, 11 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Propostas vexaminosas

MARTA SUPLICY

Quando o governo enviou sua emenda constitucional sobre a Previdência, na qual propõe igualar o tempo de serviço exigido para a aposentadoria de homens e mulheres (hoje diferenciado em 35 e 30 anos, respectivamente), além de eliminar a aposentadoria rural aos 55 anos de idade para as mulheres, acreditei que fosse um balão de ensaio.
Balão de ensaio, material para negociação, ou o que seja, é uma proposta vexaminosa para alguém com a percepção social do presidente Fernando Henrique Cardoso e com uma primeira-dama atenta às questões da mulher.
Quando o governo já recua temos, parece, outro balão de ensaio, desta vez lançado pelo ministro do Trabalho, Paulo Paiva, logo desmentido pelo porta-voz do presidente. O ministro propôs que fosse retirada da Constituição o direito à licença-maternidade de 120 dias, argumentando que muitas mulheres não desejam os 120 dias e essa obrigatoriedade constitucional onera a contratação da mulher.
Ele propôs um período de licença mínimo e o resto a ser negociado com o empregador ou em contrato coletivo de trabalho. Não dá para acreditar que o ministro desconheça o fato de que o contrato coletivo de trabalho não passa ainda de um projeto de lei em fase de discussão e que décadas poderão se passar até que ele se dissemine pelo país.
Ainda que esse sistema fosse implantado rapidamente, estariam de fora diversas categorias, como por exemplo as empregadas domésticas. Imagina o ministro do Trabalho que seria fácil para uma funcionária negociar com o empregador os 120 dias de licença?
Além disso, desde quando um ministro do Trabalho existe para propor perda de direitos sociais? Não satisfeito, o ministro propôs acabar com o abono de um terço do salário nas férias.
Segundo ele, retirar da Constituição não significa eliminar os direitos. Desta vez o argumento é de que o abono de fato não vem sendo concedido e que o mercado informal poderia diminuir caso esse quesito fosse abandonado.
Em vez de propor ações para aumentar oportunidades de trabalho ou punir quem contrata sem carteira assinada, o ministro escolhe retirar um direito já conquistado do trabalhador.
O governo parece ignorar as posições brasileiras nas conferências internacionais e os compromissos assinados pelo Itamaraty no sentido de promover ações para erradicar a cara feminina da pobreza, assim como não dá atenção aos dados da própria Previdência.
Se tivesse feito uma análise mais cuidadosa desses dados teria percebido que o acesso das mulheres aos benefícios nas regiões urbanas é de apenas 33%, enquanto os homens representam 67%. Em resumo, as mulheres representam 1/3 dos aposentados. E por quê?
Porque as mulheres ainda não conseguiram ter, na prática, os mesmos ganhos e oportunidades que os homens. Elas ainda são as responsáveis pela criação e educação dos filhos e, não existindo infra-estrutura suficiente para dividir os cuidados com as crianças e sendo uma minoria os companheiros que dividem as tarefas do lar, elas acabam tendo muito maior dificuldade para sair de casa e competir no mercado.
Muitas preferem, ou não têm escolha, trabalhar em casa, aceitando a terceirização, pagando o alto preço de não ter carteira assinada. A População Economicamente Ativa (PEA) é composta apenas de 39% de mulheres, das quais menos de um terço trabalham com carteira assinada. Além disso as mulheres ainda ganham bem menos do que os homens em todas as faixas salariais, ainda que executem a mesma função.
Nessa conjuntura na qual não existem políticas de bem-estar social que protejam as famílias de mulheres carentes com filhos menores, como nos EUA e Europa, querer a igualdade de idade entre os sexos, para a obtenção da aposentadoria é, no mínimo, precoce.
Além do que, os gastos de aposentadoria com a mulher pouco pesam para a Previdência. Mesmo ela vivendo sete anos a mais do que os homens, segundo pesquisa da Dataprev -banco de dados da Seguridade Social-, o número de mulheres aposentadas só supera o de homens depois dos 80 anos!
Nessa faixa, elas são 55% dos aposentados, representando, em 1993, 141 mil mulheres, que absorvem a irrisória parcela de 1,6% de todos os gastos com aposentadorias.
Acho que um dia a aposentadoria deverá ser igual para homens e mulheres. Mas para isto acontecer devem primeiro ocorrer mudanças estruturais no mercado de trabalho, de forma a permitir às mulheres maior acesso ao mercado formal, melhores salários e mudanças sociais no cuidado com os filhos.
Até lá, a aposentadoria diferenciada entre os sexos não é um privilégio mas, infelizmente, uma forma precária de diminuir um terrível fosso entre os gêneros. Nesta semana, na qual toma posse o Conselho dos Direitos da Mulher, espera-se que o governo retome o prumo nessa questão.

Texto Anterior: Contra a honra, não
Próximo Texto: Nós da Previdência; Jornal de Resenhas; Quem tem medo da cultura local?; Sub; Carro oficial; Acidente; Era uma vez Santa Tereza
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.