São Paulo, sábado, 13 de maio de 1995
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Hipocrisia e alienação

ANA MARIA DA COSTA LEITÃO VIEIRA

Trabalhei cinco anos na Secretaria de Estado da Cultura, em posição privilegiada, testemunhando um processo crescente de hipocrisia, despudor e alienação. Esta Secretaria há muito deixou de ser uma instituição pública. É uma máquina com recursos públicos a locupletar vaidades deslumbradas pela mordomia e pela ação entre amigos.
Intelectuais e artistas tomam os lugares dos funcionários públicos, cada vez mais desrespeitados e desprestigiados. Aqueles que deveriam estar nos palcos, com obras em museus e galerias, ocupam o lugar dos ``barnabés" com o discurso da inovação e da modernidade.
O conhecimento administrativo atrapalha projetos pessoais, onde o povo não tem a menor importância. Aliás, se a Secretaria da Cultura acabasse, nem 10% da população sequer perceberia. Salvo exceções, como as ``oficinas culturais", poucas atividades estão voltadas para a maioria.
Em 1990m, levamos 44 mil estudantes e meninos de rua aos museus. Trabalhamos com internos nos hospitais públicos, com cegos e idosos de asilos. Custou apenas a infra-estrutura da Secretaria. Não houve promoção pessoal ou contratações superfaturadas. Fui capa da ``Veja" por levar o acervo do Masp ao interior. Não saiu uma linha na imprensa por trabalhar para meninos de rua.
Nesta secretaria não se avalia custo-benefício. O que vale é o tamanho da reportagem e a opinião dos ``culturetes" de plantão, sempre os mesmos. Essas figuras carimbadas fazem rodízio entre o município, Estado e União, criando a cultura das secretarias de cultura. O umbiguismo cega de vaidade a consciência, impede o processo democrático, a saudável competição, a pluralidade, a revelação, o aprimoramento e a superação.
As secretarias são quintais de domínio dessa ``elite'. E a imprensa dá espaço para a ditadura dessa meia dúzia -que faz a fala para meia dúzia- de dúzias de projetos jamais avaliados como serviço público. A maioria paga muito caro por esses projetos. Como cidadã, intelectual e ex-administradora pública, exijo auditoria nesta secretaria.
Onde está o dinheiro recebido pelo Museu da Casa Brasileira e Casa das Rosas, alugadas para festas particulares? Qual o benefício das viagens -duplamente pagas ao exterior- pelos ``culturetes" de plantão? Será por isso que os secretários não andam no elevador junto com funcionários e visitantes? Nem o Victor Civita evitava os companheiros do império por ele construído. Quero concurso para obras de restauro. Todos os dias, pessoas e entidades realizam trabalhos fantásticos para a verdadeira socialização do conhecimento e emancipação cultural do povo. Mas as secretarias da cultura passam ao largo -cegos e prepotentes. Quero que o Festival de Campos de Jordão sirva prioritariamente aos bolsistas. Deus existe e Sils Maria é testemunha de que vale a pena ser ético. Chega de instituições charmosas e podres!

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