São Paulo, sábado, 13 de maio de 1995
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Filosofia da USP lembra os 90 anos de Sartre com conferências

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Jean-Paul Sartre (1905-1980) completaria 90 anos no próximo dia 21 de junho. Para celebrar a data, o Centro Acadêmico do Departamento de Filosofia da USP estará realizando entre os dias 16 e 19 de maio um colóquio sobre a obra do mais polêmico, festejado e característico pensador francês deste século.
O Sartre que será debatido é sobretudo o filósofo. Aquele que transformou o existencialismo numa coqueluche geracional e fez de máximas como ``o inferno são os outros" slogans capazes de seduzir e hipnotizar o ambiente intelectual parisiense por mais de duas décadas.
Só a partir dos anos 60 Sartre deixa de ocupar o lugar de honra do palco ideológico francês, cuja vedete passa a ser então o estruturalismo, sobretudo na sua versão foucaultiana, que ia logo proclamando aos quatro ventos e a favor da maré anti-humanista que o ``homem" não passava de uma invenção do saber moderno.
Para os mais jovens, ou aqueles que ainda duvidam do peso da influência que Sartre exerceu dentro e fora da França, basta lembrar a visita que fez ao Brasil, entre os dias 15 de agosto e 1º de novembro de 1960.
Acompanhado de sua mulher -ou companheira, como ele dizia- Simone de Beauvoir, o filósofo foi recebido nos trópicos como se faz hoje com um pop-star.
Na sua famosa (ou folclórica) ``Conferência de Araraquara" (4 de setembro de 1960) estava presente a fina flor da intelectualidade local. A começar pelos personagens da primeira fila, onde estava sentado o hoje também célebre casal Ruth e Fernando Henrique Cardoso.
Mas Sartre, como se sabe, não era um filósofo em sentido estrito. Escritor, dramaturgo, ensaísta, crítico literário, agitador político e intelectual engajado, ele conseguiu mais do que ninguém encarnar, em pleno pós-guerra, a figura do polemista em sintonia com seu tempo.
O leque de temas e o esforço pessoal registrados em seus livros talvez só sejam comparáveis àquela abertura para as aventuras do pensamento que se viu dois séculos antes, em obras como as de Rousseau (1712-1778) ou Voltaire (1694-1778).
Essa dimensão renovadora e engajada da obra sartriana será ponto de partida tanto da palestra de Paulo Arantes como a de Renato Janine Ribeiro, ambos da USP.
Trata-se de acompanhar como, num ambiente intelectual dominado pelo academicismo e em grande medida circunscrito ao debate técnico em torno do neokantismo, Sartre rompe essa tradição e transforma a filosofia numa questão existencial, que exprime a vida presente e reflete as angústias de seu tempo.
Mais do que entender a prosa cifrada e muitas vezes confusa daquele que é considerado o grande tratado filosófico de Sartre, ``O Ser e o Nada", publicado em 1943, o que importa é seguir as motivações da escrita dilacerada e os resultados trágicos que surgem na trilogia intitulada ``Os Caminhos da Liberdade", composta pelos romances ``A Idade da Razão" (1945), ``Sursis" (1945) e ``Com a Morte na Alma" (1949).
Afinal, como será dito em mais de uma conferência durante a próxima semana, o Sartre escritor rende mais e vai além do filósofo, com o perdão dos sartrianos de plantão.
Aos que ainda rezam segundo a cartilha existencialista, resta a anedota que Sartre conta numa passagem célebre de ``O Existencialismo É um Humanismo" (1946): ``Contaram-me, recentemente, o caso de uma senhora que, tendo deixado escapar, por nervosismo, uma palavra vulgar, se desculpou dizendo: acho que estou ficando existencialista".

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