São Paulo, sábado, 13 de maio de 1995
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Abrindo a boca

Carlos Heitor Cony
RIO DE JANEIRO - O presidente da República voltou ensandecido de suas viagens ao exterior. Acreditando nas homenagens recebidas (que fazem parte do protocolo) e nas recentes votações do Congresso (lubrificadas pelo óleo que está escorrendo do ``Diário Oficial"), ele mandou a oposição calar a boca diante de seus triunfos.
O mais espetacular deles durou menos do que as rosas de Malherbe -há muito ninguém cita essas rosas, houve tempo em que elas eram citadíssimas, até que caíram no ridículo. Como o triunfo do governo é ridículo, combina.
No espaço de uma tarde, a emenda do gás canalizado revelou a tramóia que retiraria um monopólio do Estado para transferi-lo descaradamente a grupos particulares. Um deles ligadíssimo ao partido que deu ao presidente a sustentação partidária sem a qual ele teria disputado o terceiro lugar com o Enéas.
Carlyle dizia, a respeito de alguns de seus heróis, que não há traição sem a sacolinha das 30 moedas. O projeto pessoal de FHC de chegar ao poder a qualquer custo vai custar mais do que isso.
Em matéria de calar a boca, o conselho do presidente deve ser dirigido à primeira-dama, que inicialmente quis se manter discreta e agora vai para a chuva e não quer se molhar. A reunião que ela promoveu com os ministros foi constrangedora, os ministros fingiam examinar os imensos catataus que ela forneceu, a cabeça deles ligada aos pepinos de suas pastas.
É mania dos intelectuais do PSDB: promover simpósios, colóquios, convenções, grupos de trabalho, seminários, laboratórios, pesquisas, o diabo -desde que se fale muito, verbalize-se o problema, arme-se o marketing, convoque-se o Gil e o Caetano, tire-se muitas fotos e tudo compareça na mídia.
O setor assistencial do governo, entregue à primeira-dama, revela a desimportância da questão social para as cabeças do poder que estão ligadas em coisas mais interessantes.
Em ``Terra em Transe", há aquela cena em que o intelectual indeciso tampa a boca do povo. É dela que estou lembrando.

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