São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Oklahoma City-Fort Worth

MARCELO LEITE

A convenção anual da Organização de Ombudsmen de Imprensa (ONO-Organization of News Ombudsmen) reuniu 34 representantes de leitores de 8 países (Brasil, Canadá, Colômbia, Espanha, Estados Unidos, Israel, Japão e Paraguai). O encontro, iniciado domingo passado em Fort Worth (Texas, EUA), terminou na quarta-feira.
Um dos temas dominantes na discussão foi o comportamento da imprensa dos Estados Unidos nos primeiros dias depois do atentado em Oklahoma City, que fica cerca de 300 km ao norte de Fort Worth. O assunto só foi rivalizado, nas conversas informais, pela tempestade de granizo que assolou a ``cowtown" -cidade das vacas, ou ``onde começa o Oeste"- na véspera da convenção.
A predominância de temas norte-americanos é compreensível. Nada menos do que 65% dos ombudsmen presentes (22 dos 34) são de jornais dos EUA, a maioria de penetração apenas regional. Algumas cidades representadas: Wilmington (Estado de Delaware), Fort Wayne (Indiana), Santa Anna (Califórnia), Jacksonville (Flórida).
Dois aspectos do atentado a bomba em Oklahoma foram debatidos mais intensivamente: as implicações humanas da famosa foto do bombeiro carregando a menina nos braços e a divulgação pela imprensa do rumor de que suspeitos ``com aparência árabe" teriam sido vistos saindo rapidamente da área do atentado.
No primeiro caso, trata-se de uma preocupação tipicamente norte-americana com a sensibilidade do público em relação a fotos de pessoas mortas e com o choque que possam causar em parentes (na realidade, naquele instante em que foi feita a imagem não se sabia ainda se a menina estava viva ou não). Ainda que possa parecer exagerada, cabe observar que muitos jornais brasileiros fariam bem em imitar, pelo menos em parte, essa disposição humanitária.
No caso da imagem de Oklahoma, contudo, nem havia muito o que discutir. Foi quase total a unanimidade em favor da publicação da foto, entre os ombudsmen, por simbolizar de forma tão contundente o absurdo do atentado. É uma dessas fotografias que entram para a história, como a da menina queimada por napalm na guerra do Vietnã, nas quais a dignidade da pessoa fotografada fica subordinada à de toda uma comunidade, ou de um povo.
Phil Record, ombudsman do jornal anfitrião (``Fort Worth Star-Telegram"), conta que chegou a receber algumas ligações de protesto pela publicação da foto. Levou a questão a público inserindo em sua coluna um quadrinho com o título ``Seja você o editor", no qual convidava leitores a escolher uma de três possibilidades: publicar, não publicar e publicar em formato menor.
Record recebeu ao todo 669 respostas: 649 leitores disseram que sim, publicariam; 8, em formato menor; e só 12 disseram que não.
Uma das poucas vozes dissonantes, no encontro de Fort Worth, foi a da palestrante Donya Witherspoon, jornalista que se tornou advogada depois do assassinato da mãe, em 1983. Ela foi convidada para falar de seu trabalho em grupos de auto-ajuda como o Centro Nacional de Vítimas, em particular do assédio frenético que parentes de vítimas de crimes violentos sofrem da imprensa, em particular da TV.
Depois de um relato dos abusos praticados por repórteres capaz de envergonhar qualquer jornalista por sua própria profissão, Witherspoon disse que ainda não tinha chegado a uma conclusão sobre aquela foto. Sua preocupação era saber se a mãe da menina tinha sido avisada antes de ver a imagem (informação de que ninguém dispunha, ali).
O tema do rumor sobre envolvimento de árabes no atentado surgiu durante palestra de Robert Steele, diretor do programa de ética jornalística do Instituto Poynter para Estudos dos Meios de Comunicação. A julgar pela amostragem apresentada por Steele, todos os jornais norte-americanos deram crédito ao rumor, com graus diferenciados de cuidado na sua apresentação. Não fosse pela prisão quase imediata do suspeito Tim McVeigh, ninguém sabe a que grau de histeria antiárabe esse tipo de ``informação" poderia conduzir.
A discussão, neste caso, foi mais técnica do que emocional. As principais conclusões foram de que os jornais precisam tratar com maior distanciamento informações de fontes policiais e de que rumores, se publicados, devem ser claramente identificados como tais.
Outra lição que a imprensa brasileira faria bem em assimilar.
Errei, erramos

Os leitores do caderno Esporte puderam ver na última terça-feira a resposta de seu editor, Melchiades Filho, à minha coluna do último domingo. O título da réplica foi ``O ombudsman errou".
Com efeito, a coluna tal como foi publicada continha uma falha considerável: o quadro que relacionava dez informações supostamente exclusivas da revista ``Veja" sobre o acidente que matou Ayrton Senna não deveria ter sido publicado. A página chegou a ser montada sem ele, como determinara o ombudsman. Por uma falha de comunicação entre redatores que a preparam para impressão, o quadro voltou a ser incluído.
A tabela pertencia a uma primeira versão daquela coluna. Foi ``derrubada", como se diz no jargão jornalístico, porque fui informado a tempo de que a revista italiana ``Autosprint" publicara várias daquelas informações em outras reportagens que não aquelas duas a que tive acesso inicialmente.
Decidi então suspender o quadro, mas mantive o teor da coluna, cujo título era ``Sentimentalismo e jornalismo na F-1". Por uma só razão: a exclusividade das informações não era a questão central, mas sim a sua qualidade.
Critiquei abertamente a revista ``Veja" pelo ``erro pueril" -estas foram as palavras usadas há uma semana- de apregoar exclusividade. Mas isso não me impediu de enxergar os méritos da reportagem.
Como leitor, reafirmo que foi o melhor trabalho que li em meio à avalanche de textos que tomou jornais e revistas, no aniversário da morte do piloto. Ali estava um relato abrangente, minucioso e didático da investigação do acidente, com informações conferidas ``in loco".
O editor de Esporte devolve em sua réplica a acusação de arrogância, argumentando que o ombudsman ``poderia ter confrontado os argumentos da Redação, mas não voltou ao tema nas críticas internas. Guardou as conclusões infundadas para alimentar sua coluna dominical".
Erros jornalísticos significativos -da Folha, sobretudo, mas também da ``Veja", ou do ``Estado"- são de fato o principal alimento da coluna. Infelizmente, esta ainda está longe da inanição. Além disso, é prerrogativa do ombudsman decidir quais temas devem passar do foro restrito da crítica interna da edição para o de milhões de leitores.
É o que se chama de transparência. Muitos jornalistas a brandem contra qualquer instituição e pessoa, mas não parecem dispostos a admiti-la em seu próprio quintal.
O editor de Esporte me acusa de ``deselegância" por usar na coluna discussões internas sem consulta à Direção de Redação, ``como é praxe na empresa". Qualquer leitor atento, e suponho que conte com muitos deles na Redação da Folha, terá notado que venho citando a crítica interna, com frequência, nas colunas dominicais. Boa parte das vezes reproduzo meus próprios comentários, mas já citei literalmente outras respostas da Redação (como, mais recentemente, no caso das araras/``guacamaios", uma falha infeliz de tradução no Folhateen).
Em nenhum desses casos consultei previamente a Direção de Redação. Nunca fui questionado por agir dessa maneira. Ao conferir à minha crítica interna um caráter público, acredito estar sendo fiel ao verbete ``leitor" do ``Novo Manual da Redação" (pág. 19), no qual se pode ler:
``A Folha procura manter relação transparente com seus leitores. Isso se expressa na instituição do ombudsman, no reconhecimento de seus erros e omissões e na disposição para corrigi-los. Expressa-se também na divulgação de seus documentos internos, como este manual".

Texto Anterior: OPINIÃO DA FOLHA
Próximo Texto: O direito de matar
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.