São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
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Um em cada 6 congressistas tem rádio ou TV

ELVIRA LOBATO; FABÍOLA SALANI; EUGÊNIO NASCIMENTO; PAULO PEIXOTO; ABNOR GONDIM; PAULO YAFUSSO; MÔNICA SANTANNA; PAULO MOTTA; SILVIA QUEVEDO; ADELSON BARBOSA; ARI CIPOLA; PAULO FRANCISCO; CARLOS ALBERTO DE SOUZA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um em cada seis integrantes do Congresso está vinculado a emissoras de rádio ou de televisão. Eles formam a terceira maior bancada da Câmara quanto e do Senado.
Segundo o cadastro do Ministério das Comunicações, 83 deputados federais (de um total de 513) são sócios ou pertencem a famílias sócias de emissoras.
É uma ``bancada" maior do que a do PSDB (partido do presidente Fernando Henrique Cardoso), que tem 72 deputados. Só perde para as bancadas do PMDB (104) e do PFL (91).
A situação é semelhante no Senado. De acordo com o cadastro oficial do ministério, 13 dos 81 senadores têm vínculo direto ou indireto com emissoras.
Estes números se referem apenas à realidade visível, comprovada por dados do governo e por informações dos próprios parlamentares. A bancada pode ser maior.
É praxe entre políticos adquirir meios de comunicação em nome de terceiros. O ex-governador de São Paulo Orestes Quércia possui duas TVs (Princesa D'Oeste, em Campinas, e TV do Povo, em Santos) e uma rádio, em Sorocaba, que figuram em nome de outras pessoas no cadastro oficial.
Oficialmente, Quércia é titular apenas de três rádios: duas em Campinas e uma em São Paulo.
Pelo cadastro do governo, o deputado Mussa Demes (PFL-PI) é sócio de duas concessões de rádio no Piauí, uma em Canto do Buriti e outra em Teresina.
A reportagem da Folha constatou que a emissora de Teresina -Rádio Chapada do Corisco- pertence, de fato, a outro deputado federal, Ciro Nogueira Filho (PFL-PI).
``A rádio pode estar registrada em nome de outro, mas o dono de fato é o deputado Ciro", disse um locutor da rádio, que pediu para não ser identificado. A assessoria do parlamentar disse que a emissora pertence hoje ao pai de Ciro.
``É muito difícil saber o número exato de deputados e senadores que possuem emissoras de rádio e TV", disse o deputado Jorge Maluly Netto (PFL-SP).
Segundo ele, alguns são donos de fato, mas não aparecem porque se escondem atrás de testas-de-ferro (terceiros que assumem a responsabilidade em documentos públicos).
Outros, segundo Maluly, aparecem no cadastro, mas não são donos de fato, porque emprestaram seus nomes para compor o quadro de acionistas das empresas como forma de obter a aprovação das concessões para seus aliados.
O próprio Maluly aparece no cadastro do governo associado a uma emissora de TV e a cinco rádios (algumas em nome de sua mulher, Therezinha, e outras em nome do filho, Jorge.
Em entrevista à Folha, ele só admitiu ter participação societária na TV Araçá, de Araçatuba (afiliado SBT), e em três rádios: ``Nas outras, só emprestei meu nome".
As duas práticas (uso de ``testas-de-ferro" e apadrinhamento de políticos) comprovam a falência do sistema de distribuição de concessões que perdurou até agora e que deve ser mudado pelo governo.
O critério político atingiu seu ápice durante o governo Sarney (85-91), quando foram distribuídas 1.080 concessões, grande parte em troca de apoio político para aprovação da emenda que prorrogou seu mandato para cinco anos.
O senador Humberto Lucena (PFL-PB) conta, orgulhoso, que conseguiu rádios e TVs para seu Estado: ``Consegui a TV para meu amigo Roberto Cavalcanti, do grupo Correio, além de algumas rádios, mas nunca peguei nada para mim".
Ele confirma, no entanto, que seu irmão Haroldo Lucena é sócio ``minoritário" de uma rádio, em João Pessoa.
Os parlamentares vinculados a emissoras de rádio e TV não formam uma bancada homogênea e nem todos obtiveram as concessões em função do mandato. Todos, no entanto, colhem dividendos políticos pelo fato de possuírem emissoras.
``Rádio de interior é um péssimo negócio, como empreendimento, mas dá prestígio e votos", diz Maluly Netto.
Segundo ele, uma rádio em uma cidade pequena dá prejuízo de R$ 5 mil a R$ 10 mil, ao contrário das TVs, que dão ``muito lucro".
O cadastro do Ministério das Comunicações mostra dois outros campeões, além de Maluly, na obtenção de concessões de rádio e TV durante o governo Sarney: o deputado Arolde de Oliveira (PFL-RJ) e o senador Odacir Soares (PFL-RO).
Pelo cadastro, Arolde e sua mulher, Yvelise, aparecem como sócios em seis emissoras (uma TV e cinco rádios) no Estado do Rio de Janeiro. O deputado diz que só é sócio de fato da TV -instalada em Cabo Frio e afiliada Globo- e de uma rádio.
``As outras eu repassei logo que a concessão saiu e nem sei por que meu nome e o de minha mulher continuam figurando no cadastro do governo. Vou aproveitar para regularizar a situação", afirmou.
Pelo cadastro do ministério, o senador Odacir Soares e sua mulher, Odaléa, aparecem como sócios de uma TV em Porto Velho e de sete rádios. A Folha tentou ouvir o senador sobre a situação das emissoras, mas ele não retornou as ligações.

Colaboraram FABÍOLA SALANI, da Folha ABCD, EUGÊNIO NASCIMENTO, PAULO PEIXOTO, ABNOR GONDIM, PAULO YAFUSSO, MÔNICA SANTANNA, PAULO MOTTA, SILVIA QUEVEDO, ADELSON BARBOSA, ARI CIPOLA, PAULO FRANCISCO e CARLOS ALBERTO DE SOUZA, da Agência Folha.

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