São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
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Falta de juízes, lentidão e anacronismo exigem reformas no Poder Judiciário

OLÍMPIO CRUZ NETO; CLÁUDIA TREVISAN; EUNICE NUNES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

CLÁUDIA TREVISAN
EUNICE NUNES
L.F.O., 35, teve seus dois olhos furados na madrugada do dia 24 de agosto de 1978. Foi atacada, num hospital psiquiátrico público, por uma doente de alta periculosidade. L.O.F. ficou totalmente cega e até hoje trava uma disputa judicial para receber indenização do Estado.
Sua aventura jurídica começou em dezembro de 1979. O Estado foi condenado, mas L.O.F. só recebeu a primeira parcela da indenização em março de 1988, quase dez anos depois de perder a visão. Hoje, ainda discute no Tribunal de Justiça de São Paulo a correção monetária de valores que não recebeu -ou recebeu com atraso.
A história de L.O.F. é uma página perdida na pilha de problemas que se acumula no Poder Judiciário brasileiro.
A começar pelo déficit de juízes: o país registra a média de um magistrado para cada 29.545 habitantes, enquanto na Itália a relação é de um para 7.700 e, na Alemanha, de um para 3.500. No Estado do Pará, o número atinge o pico: um juiz para 43.135 habitantes, o recorde negativo entre as unidades da federação.
O déficit é agravado pelo fato de que apenas 5.801 vagas, das 7.577 existentes para juízes, estão preenchidas. As restantes aguardam candidatos capazes de passar nos concursos promovidos para o cargo.
``O que existe é uma resultante cruel do desmantelamento da educação nos últimos anos", diz à Folha José Paulo Sepúlveda Pertence, 57, que na próxima quarta assume a presidência do Supremo Tribunal Federal.
É verdade que o Judiciário não poderia deixar de ser afetado por problemas externos à instituição, caso da educação, num país que é, ele mesmo, uma pilha de complicações.
Mas poderia pensar seriamente, por exemplo, se os mais de R$ 250 milhões que serão aplicados na construção da nova sede para o Tribunal Superior do Trabalho -com garagem coberta para 1.500 automóveis- não seriam mais úteis aos cidadãos se fossem dirigidos a outras áreas.
Por exemplo, para a informatização do próprio Judiciário. Tecnologia que já faz parte do cotidiano de donas de casa, a informática apenas engatinha na Justiça brasileira. Basta dizer que o fórum central de São Paulo, o maior da América Latina, recebeu seu primeiro computador há pouco mais de um mês.
A rapidez dos computadores talvez pudesse auxiliar a cega L.F.O. na tentativa de receber suas indenizações. Mas é verdade também que computadores não podem operar milagres em todos os cantos. Há um tipo de morosidade que, como observa Pertence, ``é um mal quase inevitável". Ela faz parte da própria natureza da Justiça, que exige procedimentos nem sempre velozes, como a produção de provas.
No Brasil, porém, a lentidão ultrapassa todo limite. E para isso contribuem muitos outros fatores.
Um deles está presente no caso de L.F.O.: é o Poder Executivo. Réus em grande parte dos processos em curso na Justiça, os governos, em estado de penúria, utilizam todo o tipo de recursos e estratagemas com o objetivo de adiar o pagamento das condenações.
A melhoria da atuação do Judiciário depende também, em alguns casos, do outro Poder da República -o Legislativo. Boa parte das leis brasileiras está superada, como é o caso do Código de Processo Penal. E o Congresso, além de não atualizá-lo, deixa de aprovar outras tantas leis que poderiam diminuir a demora com que são julgados os processos.
É o que acontece com a criação dos Juizados Especiais Criminais, concebidos para atuar em questões mais simples. Previstos pela Constituição de 88, os juizados não podem ser implementados porque não há lei federal que regulamente o assunto.
Mas os problemas externos não são desculpas para vícios e defeitos internos. O Judiciário abriga em seu interior aberrações não apenas na organização de suas rotinas, mas também de natureza ética. Práticas como emprego de parentes, nomeações sem concurso e uso da estrutura pública em benefício privado fazem parte da crônica de tribunais em diversos Estados brasileiros.
E quem define as normas disciplinares dos tribunais? São eles próprios. Em São Paulo, por exemplo, a punição mais grave que um juiz pode sofrer é a demissão. Assim mesmo, apenas no caso de uma condenação criminal com pena superior a quatro anos. Aí sim, o juiz será posto em disponibilidade. Mas com direito a continuar recebendo seu salário.
Num país em que o crime das classes mais favorecidas raramente vem acompanhado de castigo, o caso do Judiciário tem tudo para provocar polêmicas. E é o que está fazendo: políticos e membros da Justiça discutem a necessidade de algum tipo de ``controle externo" ao Poder.
O controle externo foi defendido pelo ministro da Justiça, Nelson Jobim, durante a revisão constitucional de 1993. Acabou abandonado.
Mas o próprio futuro presidente do STF não descarta o mecanismo. Desde que -ressalva- ``não seja um órgão burocrático, com representantes buscando mais uma forma de aposentadoria depois de três ou quatro anos de serviço".
Antonio Cortez, presidente da Associação dos Juízes Para a Democracia, que reúne magistrados, considera que um órgão externo com atribuição de fiscalizar a atuação dos juízes, sob o ponto de vista disciplinar, seria inócuo.
Qualquer punição eventualmente aplicada poderia ser revista pelo próprio Judiciário. ``O último controle seria interno", diz.
Essa circularidade, em sua opinião, destrói a principal idéia que embala a defesa do controle externo: a existência de um órgão desvinculado do Judiciário para acompanhar sua atuação.
Cortez defende um organismo que trabalhe na definição de prioridades e investimentos. A ele caberia decidir coisas como a distribuição de novas comarcas (onde seriam criadas novas circunscrições sob a responsabilidade de um juiz ou mais).
Para fiscalizar a atuação dos magistrados e o funcionamento interno do Judiciário, a associação sugere a criação do cargo de ombudsman. Sua função seria receber reclamações e dar publicidade aos problemas da Justiça.

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