São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
Próximo Texto | Índice

Lei não protege vítimas e testemunhas na ação penal

EUNICE NUNES
ESPECIAL PARA FOLHA

A lei não prevê formas de proteção às testemunhas e vítimas nos processos criminais. No fórum criminal, o ambiente é promíscuo: acusados, testemunhas e vítimas aguardam chamada no mesmo ambiente, e sentam-se à mesma mesa durante a audiência.
Além disso, os andares não possuem salas para os réus presos, que ficam em pé nos corredores, algemados, de cara virada para a parede. A situação é constrangedora, tanto para os presos, quanto para as testemunhas, que ficam próximas daqueles que acusam.
Se o acusado está em liberdade, pode até sentar-se ao lado da vítima e da testemunha enquanto aguarda a audiência. Isso abre espaço para possíveis intimidações.
``A sala de espera é o saguão dos elevadores, onde todos se encontram. Às vezes os acusados ameaçam as testemunhas ou vítimas antes da audiência", diz Eduardo Ferreira Valério, promotor do Estado de São Paulo.
Também não há salas específicas para fazer o reconhecimento dos acusados. Muitas vezes, a vítima evita até olhar diretamente para o réu, o que pode levar a um erro.
``Faltam salas de reconhecimento, com espelho falso (de um lado é espelho e do outro é um vidro transparente), que permita colher a prova com mais segurança. A testemunha fica separada do acusado e, com calma, faz o reconhecimento", diz a juíza auxiliar da 28ª Vara Criminal, Kenarik Boujikian.
Há juízes que retiram o acusado da sala durante o depoimento da vítima ou declaração de testemunha. Mas esse procedimento pode até anular o processo.
``É ilegal tirar o réu da sala, porque ele tem o direito de ouvir o que está sendo dito para orientar seu advogado nas reperguntas (novo interrogatório da testemunha pelo advogado de defesa). O réu só deve ser retirado da sala se tiver uma atitude ameaçadora em relação aos depoentes", interpreta o juiz da 26ª Vara Criminal de São Paulo, Luiz Flávio Gomes.
Se não há proteção no fórum, também não existe qualquer tipo de tutela para as vítimas e testemunhas fora dele. A legislação não permite trocar de identidade. O Estado não oferece domicílios protegidos, nem sequer escolta.
Um programa de proteção às testemunhas se faz necessário quando se fala em delação premiada, na qual o acusado é co-autor do crime e denuncia os demais envolvidos para reduzir sua pena.
Este benefício (da redução da pena) está previsto na Lei dos Crimes Hediondos, de 1991, e na recente lei de combate ao crime organizado. Até hoje não há um só caso concreto.
``Não adianta reduzir a pena sem dar proteção de vida a essas pessoas e seus familiares. Sem essa garantia, o delator sabe que terá morte certa na prisão", argumenta o juiz Gomes.
Há um projeto de lei no Congresso Nacional que trata do assunto. Ele estabelece medidas a serem adotadas para assegurar proteção às pessoas expostas a grave perigo, em virtude de sua colaboração ou de declarações prestadas em investigação criminal ou processo penal.
As medidas, que podem abranger os familiares, incluem segurança na moradia com controle das telecomunicações; escolta de segurança (quando se tratar de pessoa presa); transferência de residência para aqueles que estão em liberdade; modalidades especiais de prisão; troca de identificação civil; e assistência econômica.

Próximo Texto: EUA têm programa de proteção
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.