São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
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Uma arqueologia poética

AUGUSTO MASSI
ESPECIAL PARA A FOLHA

José Paulo Paes volta a se debruçar sobre a poesia de Giorgos Seféris (1900-1971). Anteriormente, havia traduzido 12 poemas que figuram na antologia ``Poesia Moderna Grega". Algumas traduções foram inteiramente revistas para este volume, caso por exemplo de ``O Ar de um Dia" e ``Strátis Marinheiro entre os Agapantos".
É importante destacar que a obra deste prêmio Nobel de 1963, não sendo muito extensa, possui um desenho perfeito, onde fulguram livros-poemas emblemáticos, caso de ``A Cisterna" (cuja tradução foi publicada pela primeira vez no ``Mais!" em 22/01/95) e ``Tordo" que, traduzidos, auxiliam na compreensão de sua poética.
Giorgos Seféris nasceu em Esmirna, Turquia -na época, uma cidade grega da Ásia Menor. Seu pai, o jurista Stilianós Seferiadis, ensinou direito internacional na Universidade de Atenas, da qual foi reitor, em 1931. Era um homem de letras e realizou versões modernas do teatro de Sófocles, além de traduzir a obra de Byron. Quando, em 1922, o conflito com os Turcos atinge Esmirna, provocando o êxodo de um milhão de gregos, a família de Seféris já estava em Atenas e o poeta em Paris, onde fora estudar direito.
A obra poética de Seféris reconcilia duas tradições. De um lado, a formação européia que o filia à ``poesia pura" e resulta na tradução de ``Monsieur Teste", de Valéry. De outro, a consciência histórica e o interesse pelo método mítico do ``contínuo paralelo entre contemporaneidade e antiguidade" vislumbrado por Eliot na construção do ``Ulysses" de Joyce.
O grande interesse que Seféris manifesta pela poesia histórica de Eliot, e que o levou a traduzir ``The Wast Land", não deve ser visto sob o ângulo das influências, mas como afinidade intelectual. Segundo Paes, ``tanto quanto Eliot, Seféris só tem olhos para um suposto declínio cultural e ético do mundo contemporâneo, que contrasta nostalgicamente com a grandeza do pretérito" .
Já no âmbito da poesia grega moderna, Seféris pertence à chamada geração de 30, na qual ocupa uma posição particular. Foi um herdeiro capaz de achar um ponto de equilíbrio entre as conquistas da escola de Atenas, representada por Kostís Palamás (1859-1943), e a voz isolada de Konstantinos Kaváfis (1863-1933).
Com relação aos companheiros de geração, foi um precursor da abertura da cultura grega às correntes estéticas européias. Seféris foi um dos fundadores da revista ``Novas Letras" (1935-1940), que abrigou uma geração de poetas divididos entre várias orientações: a ``poesia pura" capitaneada por Seféris, o surrealismo de Odisséas Elltis (1911) e a poesia social de Yanis Ritsos (1909-1990).
Em Seféris, vários motivos confluem para o registro de forças desintegradoras. É recorrente a idéia de transitoriedade e circunstância, seus títulos apontam nesta direção: ``Diário de Bordo" ou ``Caderno de Exercícios". A questão da identidade também enfatiza este aspecto fragmentário, com o poeta assumindo diferentes personae: em ``Carta de Matias Pascal", que se apropria do personagem de Pirandello, ou em ``O Sr. Strátis Marinheiro Descreve um Homem", que cria um personagem que será retoma em sua novela ``Seis Noites na Acrópole".
Mas, uma leitura atenta dos versos de Seféris capta no solo de sua poética uma tentativa de reintegrar o homem na paisagem do mundo, restaurar a eternidade do mito nas ruínas da história. Por isso, as verdadeiras viagens de Seféris não ocorrem fora do território grego: o poema ``O Rei de Asine"(1940) foi inspirado por uma visita às ruínas da Acrópole de Asine, no Peloponeso; duas viagens a Chipre resultaram no livro ``Diário de Bordo 3"(1955), onde podemos ouvir as ressônancias da insurreição contra a ocupação britânica da ilha; ou a visão dos destroços em ``Tordo", pequeno vapor afundado pelos alemães, fruto de uma temporada na Ilha de Poros.
A poesia de Seféris obedece a um princípio arqueológico, tentativa de resgatar do mundo dos mortos os objetos que ainda guardam alguma inscrição de vida: uma cisterna, uma máscara, um vapor naufragado. Seféris é poeta na medida em que escava na tradição moderna européia o caráter multissecular do helenismo. O seu drama individual encarna um destino histórico e mítico: ``Terra do sol e nem podeis olhar o sol de frente. Terras do homem e nem podeis olhar o homem de frente".

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