São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
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O sucessor do ônibus espacial

VINCENT KIERNAN
DA "NEW SCIENTIST"

O mais recente projeto da Nasa (agência espacial dos EUA) é um ambicioso plano de desenvolver um sucessor do ônibus espacial. Os vôos da nova nave custarão muito menos do que os das naves atuais, segundo representantes da Nasa. A tecnologia adiantada permitirá que seja relançada dias apenas depois de aterrissar.
Mas esse admirável mundo novo das viagens espaciais tem um problema. Na década de 70 o ônibus espacial já prometia as mesmas coisas. E sejam quais forem os êxitos obtidos pelo ônibus espacial, ele fracassou redondamente em sua missão de tornar as viagens espaciais baratas e fáceis. Os representantes da Nasa dizem que desta vez vão evitar os erros do primeiro programa de ônibus espaciais. Mas será que vão mesmo?
Os céticos já manifestam suas dúvidas. "Já sei, será barato demais para medir", disse John Pike, analista espacial da Federação de Cientistas Americanos, em Washington, D.C. "Barato demais para medir" foi o slogan cunhado pelos defensores da energia nuclear, quando os custos reais da indústria ainda não haviam sido calculados. Pike acredita que os cálculos da Nasa estão errados.
A Nasa selecionou três equipes de empresas aeroespaciais para desenvolver conceitos concorrentes para a nave, o RLV (sigla inglesa para Veículo de Lançamento Reutilizável).
No final do ano que vem ela vai escolher uma ou duas das equipes para construir versões em pequena escala de seus projetos, para fazer uma demonstração das tecnologias. Em 1999 a Nasa vai decidir qual projeto adotar. Segundo Rick Bachtel, vice-diretor da Divisão de Transportes Espaciais da Nasa, o primeiro vôo completo do novo ônibus espacial acontecerá provavelmente em 2004 ou 2005.
A Nasa quer que o RLV seja capaz de transportar uma carga de 11 toneladas -um pouco mais do que o ônibus espacial- até a futura estação espacial internacional, ou 18 toneladas até uma órbita de baixa altitude.
Os administradores da Nasa também querem que o RLV seja capaz de aterrissar sobre qualquer tipo de pista de pouso, sem instalações especiais, e que seja capaz de voar sozinho de volta a sua plataforma de lançamento.
O novo veículo será projetado para operar a um custo muito inferior ao do ônibus espacial. Para lançar um satélite a bordo do ônibus espacial, o custo é de US$ 8.800 por quilo. A meta da Nasa, diz Bachtel, é que o RLV faça a mesma coisa por US$ 2.200 por quilo de carga.
Para ajudar a atingir essa meta, a Nasa diz que o RLV deve precisar de pouca manutenção entre vôos. Uma modificação provável será feita no material utilizado para as placas isolantes que protegem o ônibus espacial contra o calor intenso pelo qual passa no momento de reingressar na atmosfera da Terra.
Atualmente, cada placa precisa ser revestida de material impermeável após cada vôo porque o revestimento, que impede as placas de ficarem encharcadas, é destruído pelo calor durante o reingresso na atmosfera da Terra. A Nasa quer que o RLV conte com um tipo de proteção térmica que não exige tratamento repetido. A eliminação de tais procedimentos vai reduzir os custos diretos e impedir que o RLV seja relançado mais rapidamente, permitindo que realize mais missões.
Segundo Ira Victer, da Rockwell Space Systems Division, que recebeu um dos três contratos da Nasa, aproximadamente 80 dias são necessários para inspecionar, consertar e reequipar um ônibus espacial para sua próxima missão. A Nasa quer que com o RLV esse prazo seja reduzido para sete dias.
O conceito que a Rockwell faz do RLV se assemelha ao do ônibus espacial atual, fato que não surpreende considerando-se que foi a mesma empresa que construiu o modelo atual. Como o ônibus espacial, seu RLV decolaria verticalmente e aterrissaria horizontalmente. Mas não teria o tanque de combustível volumoso e os foguetes tubulares de combustível sólido acoplados ao ônibus espacial atual.
A segunda proposta de RLV, feita pela gigante da indústria aeroespacial Lockheed Martin, também decolaria verticalmente e aterrissaria horizontalmente, mas sua aparência é muito diferente do ônibus espacial. Para começar, não teria asas, mas um veículo de forma chata, triangular, que gera sua própria elevação aerodinâmica. Isso evita que tenha que carregar o "peso parasítico das asas", diz David Urie, da Lockheed.
Ainda não se conhece a terceira proposta de RLV, que será submetida pela McDonnell Douglas Aerospace e pela Boeing. A McDonnell Douglas já projetou um veículo de lançamento reutilizável, chamado Delta Clipper. A nave aterrissa verticalmente sobre sua cauda, usando motores de foguete para desacelerá-la na descida. Já foram feitos vôos-teste com uma versão menor da nave, mas as empresas não disseram se seu RLV será baseado no Delta Clipper.
Um problema ainda não resolvido é quanto dinheiro a Nasa terá para construir naves para demonstração. Atualmente a Nasa prevê transformar apenas um dos conceitos num modelo operacional em pequena escala. Mas algumas pessoas querem que a Nasa construa os dois melhores.
Segundo John Logsdon, especialista da Universidade George Washington, em Washington D.C., se fossem realizados vôos experimentais, muitos dos prós e contras das diferentes tecnologias ficariam mostrados, e a Nasa e o Congresso poderiam tomar uma decisão bem fundamentada sobre qual nave espacial escolher para produção em massa.
Esse exercício talvez custasse até US$ 1 bilhão, mas seria dinheiro bem gasto, segundo Logsdon: ``Estamos falando de uma decisão que seria fundamental para nosso programa espacial por duas ou três décadas futuras".
Será que o público norte-americano concordaria com um gasto dessa ordem? Pike acha que não -pelo menos a não ser que ocorra outro desastre com um ônibus espacial. A Nasa não tem peças de reposição suficientes para montar um ônibus espacial substituto, e uma catástrofe talvez catalizasse o apoio público à idéia de levar o RLV para frente.
Logsdon responde que esperar outro desastre de Challenger não é maneira de planejar o futuro dos vôos espaciais humanos. Em lugar disso, é melhor começar a lançar as bases desde já, antes de o RLV se transformar em necessidade urgente. Um programa RLV bem executado poderia fazer com que a nova nave espacial entrasse em operação antes de se perder mais ônibus espaciais, diz Logsdon.
Nesse caso, os norte-americanos trocariam o ônibus espacial, modelo antigo, pelo novo RLV, antes do modelo velho cair aos pedaços -como fazem com seus carros. ``Resta ver se abordamos os vôos espaciais com a mesma maturidade com que abordamos a troca de carros", diz ele.

Tradução de Clara Allain

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