São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
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Bordón promete austeridade e justiça social

JOSÉ OCTAVIO BORDÓN

Quase 12 anos após a recuperação da democracia na Argentina, chegou a hora de fazer um balanço. Desde 1983, após a queda da ditadura militar, todos nós, argentinos, tínhamos o compromisso de superar longas décadas de instabilidade política e de desenvolver a democracia.
Em 1989, quando o governo de Raúl Alfonsín chegava ao fim, a esse compromisso somou-se dramaticamente a responsabilidade de conquistar estabilidade monetária, frente à hiperinflação.
Estes 12 anos de democracia se passaram sob dois governos diferentes, cada um dos quais com seus acertos e erros: o do radical Raúl Alfonsín (1983-89) e o atual, de Carlos Saúl Menem, iniciado há seis anos.
Para a terceira etapa, assinalada pelas eleições gerais de hoje, nós, argentinos, continuamos sentindo a necessidade de uma democracia mais aberta e mais participativa.
Também -e agora mais do que nunca- o modelo econômico vigente precisa ser complementado por uma visão produtivo-exportadora, por uma orientação de cunho social e por um estilo de governo austero e transparente, que administre os gastos públicos com eficiência.
Hoje, o nível de desemprego é um sintoma dos aspectos que o modelo do governo não contempla e constitui um problema de fundo que afeta dramaticamente a vida de milhões de argentinos.
Quando, em 1990, o atual governo colocou seu plano econômico em ação, a taxa de desemprego era de 6%. De lá para cá, mais do que duplicou, atingindo em abril 12,3%, segundo o governo, e 14%, de acordo com a oposição.
Trata-se do mais alto índice de desemprego da história argentina.
Para atacar o problema do desemprego a fundo, nós, argentinos, precisamos de um modelo econômico superior. Ao lado da estabilidade econômica deve haver crescimento e justiça social.
É assim que fazem os países sérios e é assim que precisamos fazer. Para isso temos de buscar um estilo diferente de governo.
Esse governo deve priorizar a austeridade como atitude e conduta que implante uma cultura de poupança, que tanta falta vem fazendo a nosso país nestes anos de frivolidade, exibicionismo e gastos perdulários do próprio Menem.
O atual governo desperdiçou entre US$ 5 bilhões e US$ 8 bilhões por ano. Sua concepção superficial de política levou a Argentina a viver o chamado ``efeito champanhe", em que o orçamento público foi gasto irresponsavelmente em aviões presidenciais de luxo, helicópteros, reformas da residência presidencial e na campanha da reeleição de Menem, acompanhada por gastos provocadores de desequilíbrio.
Precisamos também de eficiência. A eficiência precisa ser orientada a garantir a realização de objetivos que articulem as políticas públicas e estimulem o setor privado num sentido que favoreça a comunidade como um todo.
A austeridade e a eficiência não devem distanciar-se de um terceiro eixo: a equidade. Sabemos que a concentração da renda produz falta de dinamismo social e marginalização das pessoas mais pobres.
A Argentina precisa de políticas sociais modernas, distanciadas do clientelismo político que tanta corrupção e ineficiência já gerou, articuladas com o sistema de trabalho e que, ao mesmo tempo, não caiam no mero assistencialismo.
Do mesmo modo, a Argentina precisa recuperar suas economias regionais e suas pequenas e médias empresas numa estratégia produtiva e exportadora orientada ao Mercosul (o mercado comum integrado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai).
Vamos fazer uma utilização melhor do orçamento, reduzindo as despesas públicas e reorientando-as para estimular a cadeia produtiva. Precisamos produzir cada vez mais bens que tenham um valor agregado maior. Só assim vamos construir uma economia sólida, que não dependa dos movimentos dos capitais especulativos.
Com respeito a este ponto, e dentro de uma visão integral, colocamos outro aspecto básico: a qualidade institucional.
Recobrar a segurança jurídica na Argentina constitui uma tarefa que não pode ser deixada de lado, porque, se as instituições funcionam mal e sentimos que não existem regras do jogo, nós, cidadãos, investidores e políticos, não temos previsibilidade e não sabemos quais são as recompensas ou os castigos para nossas condutas.
A Argentina, após o ``efeito tequila" (reflexos na América Latina da crise econômica mexicana), precisa ser mais previsível, porque precisa reconquistar a confiança e recuperar capitais.
Mas não repetindo os erros do passado, quando se favoreceu a entrada de ``capitais-andorinha" (passageiros) sem compromisso com a produção, e sim voltados à integração do sistema financeiro com o sistema produtivo de modo a gerar um crescimento verdadeiro.
A administração de Menem deu aos investidores estrangeiros a sensação de que se podiam trazer capitais para especular. Agora ela procura, sem qualquer pudor, recriar essa expectativa.
Isto é o contrário do que fizeram outros países da região que conceberam uma estratégia mais inteligente. O Chile se movimentou com muita cautela diante do ingresso de ``capitais-andorinha", e o Brasil, apesar de suas dificuldades, sempre sustentou um perfil industrial e exportador.
Nos últimos 12 anos de democracia, cumprimos duas etapas. Agora estamos a um passo de iniciar um novo ciclo. Nós, argentinos, precisamos de um governo superador para esta etapa.
Nós, da Frente País Solidário (Frepaso), estamos preparados para governar. Podemos fazer melhor as coisas que o atual governo fez bem. Podemos fazer bem o que o atual governo fez mal.
E vamos fazer as coisas que este governo não fez.

Tradução de Clara Allain

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