São Paulo, domingo, 14 de maio de 1995
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Masturbação econômica

Faz algumas semanas, o ministro das Comunicações, Sérgio Motta, disparou com ironia aguda contra os programas sociais do governo. Para Motta o Planalto estaria praticando masturbação sociológica, que consiste em planejar, estudar, anunciar e festejar grandes mudanças nos programas sociais do governo e, quiçá, na própria realidade social. Na prática, entretanto, pouco ou nada se faz, mesmo no plano emergencial, enquanto a miséria, a fome e a violência prosseguem ou até se acirram.
A imagem do ministro Motta pode ser projetada no terreno da política econômica. O governo anuncia privatizações espetaculares, aposta na reversão do déficit comercial, perde-se em elucubrações fantásticas sobre o regime cambial e cogita inflações liliputianas.
No dia-a-dia, entretanto, sem garantias objetivas e críveis de que os sonhos serão realidade, o governo sustenta uma política de arrocho creditício e de juros reais que se poderia qualificar, sem risco de exagero, como suicida.
O colunista Luís Nassif alertou, nesta Folha, para o fato espantoso de que as despesas atuais com juros equivalem em cinco meses ao que se arrecadaria com a venda da Companhia Vale do Rio Doce.
Para alguns economistas, estaria repetindo-se agora o que se viu no passado recente: a montagem de uma bomba-relógio nas finanças públicas. O acúmulo de juros e a ampliação da dívida pública estariam ocorrendo em velocidade superior à do aumento da arrecadação ou à da valorização do estoque de ativos privatizáveis.
A dívida interna, que em 1991 era de quase US$ 53 bilhões, chegou em dezembro de 1994 a nada menos que US$ 134 bilhões. Esse é o total da dívida do setor público brasileiro, que inclui os débitos de governos estaduais e municipais e de empresas estatais.
Levando-se em conta que o total da dívida externa registrada chegava, em meados do ano passado, segundo dados do Banco Central, a US$ 119 bilhões (incluídos aí os débitos privados), a conclusão é imediata: a dívida pública interna é hoje um problema muitíssimo mais grave que a externa. O Brasil conseguiu renegociar prazos e condições com os credores externos, mas seu governo gerou uma monstruosidade interna ainda mais terrível, cujo custo implacável destrói a consistência da política econômica e inviabiliza as políticas sociais.
Os números são ainda mais alarmantes levando-se em conta apenas a dívida interna mobiliária fora do Banco Central, ou seja, os títulos de curto prazo que o sistema financeiro gira diariamente. Essa parcela era de US$ 11,5 bilhões em 1991. Chegou a estonteantes US$ 71,5 bilhões em dezembro de 1994.
Supondo-se que até o final do ano o governo ofereça ao mercado, para continuar com a bomba-relógio no colo, as taxas médias atuais de cerca de 4% ao mês, o dispêndio com juros terá sido de mais de US$ 40 bilhões, ou seja, o suficiente para pagar por mais de dez anos todas as internações hospitalares do Inamps. Ou algo como uma Vale a cada cinco meses.
Há raciocínios estritamente econômicos bastante eloquentes e fundamentados para justificar uma política de juros altos. É a lógica macroeconômica. Juros altos ajudam, por exemplo, a evitar que se instale a fuga de capitais. Impedem que o consumismo desenfreado ponha a perder a estabilização dos preços. Reforçam a credibilidade na hipótese de a taxa de câmbio ficar onde está ``por muito, muito tempo", como tem insistido o ministro da Fazenda, Pedro Malan.
Mas o outro lado da moeda é estarmos, depois desse tempo, todos mortos: sem saúde, educação, transportes, investimentos, emprego, moradia ou poupança.
Afinal, nem mesmo os credores dessa monstruosa dívida pública terão o que comemorar, se os juros reais continuarem onde estão por muito, muito tempo. Como até os credores externos já aprenderam, quando a dívida é exagerada, o devedor se afoga abraçado, firme e desesperadamente, aos seus desavisados credores. Isso no caso otimista, mas improvável, de não ocorrerem episódios catastróficos de especulação precoce.

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