São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 1995
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Manifestações da CUT são fascistas, diz Leôncio Martins

FERNANDO DE BARROS E SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O cientista político Leôncio Martins Rodrigues, 61, não mede palavras. As manifestações de rua contra a reforma constitucional promovidas pela CUT (Central Única dos Trabalhadores) e parcela do PT são de ``tipo fascista ou stalinista", afirma.
Essa ação nas ruas, diz, ``pode ter péssimas consequências".
O raciocínio parece alarmista. Mas Leôncio não disfarça que a esquerda se tornou o seu saco de pancada predileto. A conversão liberal do cientista político, que não vem de hoje, atingiu um radicalismo inédito e algo anedótico.
Vendo sua biblioteca superlotada e tendo que se desfazer de alguns livros, não teve dúvidas: doou todos de inspiração marxista.
Escolhido por Fernando Henrique Cardoso para representar o Brasil no Conselho de Administração da OIT (Organização Internacional do Trabalho), Leôncio vai em junho a Genebra (Suíça), onde debate os desafios do sindicalismo frente à globalização financeira.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Folha - A frase ``este governo não pode fracassar" é um novo consenso entre os intelectuais?
Leôncio Martins Rodrigues - Não sei se é um consenso. Não tenho certeza se os intelectuais petistas endossariam essa frase.
Pense o seguinte: a primeira eleição para presidente, depois de 20 anos de ditadura, resultou em impeachment. Se o governo de um segundo presidente civil escolhido por voto popular direto terminar mal, o ceticismo quanto à capacidade de escolha dos eleitores tenderá a se reforçar.
Infelizmente, não creio que possamos estar totalmente tranquilos com relação ao futuro da ordem democrática entre nós. Algumas das condições que favorecem a democracia ainda não existem inteiramente no Brasil.
Folha - Quais condições?
Leôncio - Crença na democracia como um valor em si, melhor distribuição de renda, menos corrupção, menos intervencionismo estatal, menos burocracia, oposições menos demagógicas.
Folha - O que seriam oposições demagógicas?
Leôncio - Para utilizarmos uma conceituação de Sartori, cientista político italiano, oposições demagógicas ou desleais são aquelas que cobram do governo medidas que elas não seriam capazes de aplicar se estivessem no governo.
São oposições irresponsáveis que buscam enfraquecer a legitimidade do regime e do governo a partir de demandas ideologizadas.
Geralmente, essa oposição tende a deslocar o combate político para fora das instituições representativas, recorrendo a ações em que a violência física (e não apenas simbólica) é utilizada amplamente.
Folha - É uma alusão às vaias da CUT e do PT ao presidente?
Leôncio - Sim. A CUT e o PT pretendem ganhar o controle das ruas, aprisionar o presidente no palácio mediante a atuação de uma minoria organizada.
PT, PC do B, PSTU e outros setores da oposição acreditam que, se a inflação voltar, se a reforma da Constituição fracassar, se tivermos mais greves, Lula deverá vencer as próximas eleições. Mas esquecem que, nas situações de desordem, a maioria silenciosa tende a preferir um candidato da ordem.
Folha - Em que medida as características do sistema partidário podem comprometer as reformas pretendidas por FHC?
Leôncio - Temos no Congresso oito partidos relevantes, dotados de certo poder de chantagem, capazes de afetar os rumos das votações. É um número elevado, que emperra as negociações numa Câmara com 513 deputados e dificulta a ação do Executivo.
Folha - FHC não vem fazendo muitas concessões na direção do fisiologismo?
Leôncio - Se falamos em coalizão, falamos em concessão. Mas não poderia ser de outro modo, se temos um governo de coalizão que resultou de uma aliança eleitoral. Se Lula vencesse, teria que conceder alguma coisa a seus aliados.
Folha - Não se pode escapar do fisiologismo?
Leôncio - Olhando a disputa política de um modo mais desmistificado e talvez um pouco cínico, eu poderia responder que, numa democracia, as diferentes facções da classe política utilizam os programas como meio para chegar ao poder e não chegam ao poder para realizar programas, o que não significa dizer que uma parte dos programas partidários e promessas eleitorais não possa ser realizada.
Com relação à aliança do PSDB com o PFL, tão criticada pelo PT, minha impressão é de que o PFL se tornou a besta negra da esquerda não tanto por seu fisiologismo, mas por ser o mais declarado defensor das reformas liberais e da economia de mercado.
O fisiologismo não é incompatível com a esquerda. A esquerda brasileira, desde a época gloriosa do ``partidão", está cansada de fazer acordos com os políticos considerados os mais fisiológicos e corruptos. O que é totalmente incompatível com a esquerda é o mercado, a livre iniciativa, o capitalismo, porque a esquerda é essencialmente estatizante.
Folha - O sr. não está fazendo a apologia do fisiologismo?
Leôncio - Estou tentando fazer uma análise relativamente isenta de juízos de valores do que me parece ser o jogo político. O chamado fisiologismo se confunde com a ocupação do Estado.
A classe política e todas as elites (empresarial, sindical, intelectual, religiosa etc.) habituaram-se a considerar o Estado como o seu latifúndio. O grande latifúndio brasileiro não é a terra. É o Estado.
Folha - Sua análise tende a justificar a aproximação de Fernando Henrique com a direita...
Leôncio - Falando com alguma objetividade, concordo com sua afirmação. Porém, não aceito a suposição de que a aliança com o PFL é pecaminosa enquanto que com o PC do B é virtuosa.
Folha - Como o sr. vê as centrais sindicais no quadro de discussões das reformas?
Leôncio - A CUT aliou-se à tecnocracia estatal. Seria a opção natural. Além da preferência de esquerda pelo Estado, a liderança da CUT é hoje formada majoritariamente de diretores de sindicatos do setor público de classe média, principalmente de professores.
Folha - Como as novas tendências de globalização repercutem sobre o sindicalismo?
Leôncio - De modo catastrófico. Os empregos que se abrem não são em setores que favorecem a sindicalização. Na Inglaterra, pátria do sindicalismo, o número de trabalhadores sindicalizados, desde 1979, diminuiu em 5 milhões. Os sindicatos são hoje uma instituição em decadência.
Pode-se perguntar se os sindicatos não seriam como gorilas, condenados a desaparecer pela destruição do seu habitat.

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