São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 1995
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Vacilações no Senado

FLORESTAN FERNANDES

O Senado oscilou diante de suas tarefas fundamentais na votação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Depois de longa tramitação, que envolveu a Comissão de Educação e o plenário da Câmara, durante complicado percurso, teve início etapa decisiva na Comissão de Educação do Senado.
Contra a expectativa dos professores, alunos, educadores e entidades qualificadas pedagogicamente e, pode-se dizer, do setor da população que é vítima da deturpação do ensino por escolas privadas, aquela casa legislativa preferiu atribuir o mesmo peso a outro projeto, improvisado por Darcy Ribeiro, em conluio com o Ministério da Educação e as opções do setor privatista.
Poucas vezes o Senado voltou as costas a seu relator oficial e, de maneira tão chocante, ao povo brasileiro. Deu razão àqueles que o consideram uma expressão, no mais alto nível institucional, fora do seu tempo e das exigências da democracia. Os interessados encontram na Folha (5/5/95, pág. 3-5) um resumo dos resultados da discussão, com breves comentários de Fernando Rossetti. Os protagonistas recorreram à omissão para evitar um ``golpe" do senador Darcy Ribeiro.
Assim, o Senado sucumbiu diante de seu ``espírito de conciliação". A principal tentativa de renovação do ensino não encontrou ressonância robusta. Ao contrário, os senadores demonstraram, por essa atitude, o quanto ele está contaminado pela mentalidade oligárquica e pelos arranjos extrapedagógicos intrínsecos à iniciativa privada e à cúpula do governo.
Ambas preferem a herança da ditadura militar, que nos veio através das três comissões MEC-Usaid, as quais reforçam o poder de classe e desconhecem os princípios do ensino sem privilégios. Atacam o pseudocorporativismo de professores, técnicos e especialistas em educação, ou dos estudantes e funcionários, para ocultar ou disfarçar um verdadeiro corporativismo, que macula o privatismo e o Ministério da Educação, dominado pelo anseio de pôr em prática os pilares da ``educação nova", difundida pela indigitada interferência norte-americana.
O capitalismo selvagem mostra aqui garras e dentes afiados. Em termos atuais, unifica os dois predadores aliados -a privatização neoliberal, inerente à ``globalização da economia", e a privatização particularista dos donos das escolas, arcaica e nociva à comunidade nacional. Uns querem a comercialização do ensino, outros preferem a sedução de mentes e corações com fins religiosos ``altruísticos".
Cumpre considerar que os dois projetos de lei foram postos anomalamente na mesma situação e que o Senado, como um todo, fica agora obrigado a ir a fundo na sua revisão. Os defensores das escolas públicas e da educação democrática ganham um respiro e a oportunidade de expor aos senadores, como já fizeram exaustivamente com os deputados, a natureza da campanha na qual estão engolfados. Ao Senado caberá decidir como fazer a síntese, delimitando o significado e o alcance do substitutivo que, de agora em diante, lhe cabe elaborar.

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