São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 1995
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O maior filme

CARLOS HEITOR CONY

RIO DE JANEIRO - Sempre que tomo conhecimento de uma lista de dez qualquer coisa, lembro a seleção de todos os tempos feita pelo meu finado amigo Augusto Freire Belém. O pessoal se juntava, falava em Domingos, Leônidas, Pelé, Garrincha, Fausto -e ele vinha com craques que vira jogar em várzeas baianas: Manteiga, Dedão e Sacadura formavam o chamado ``trio final" da melhor seleção de todos os tempos do Belém.
Não foi bem o caso da seleção dos dez maiores filmes feita por um júri internacional e que a Folha divulgou semana passada. Eu nunca vi Manteiga, Dedão e Sacadura jogarem, talvez o Belém tivesse razão. Mas vi a maioria dos 434 filmes lembrados como os melhores de todos os tempos. Em linhas gerais, creio que são esses mesmos, mas com um grande, um clamoroso esquecimento.
Trata-se de um filme do qual nem sei o nome. É a obra absoluta, o alfa-e-ômega da arte. Foi produzida, dirigida e interpretada por Amácio Mazzaropi. Ficou em cartaz dois anos no único cinema de Dores do Indaiá, com direito a matinês nas quintas, sábados, domingos, feriados cívicos e dias santificados.
Dizem que ``A Ratoeira" e ``My Fair Lady" também ficaram um tempão em cartaz. Mas em Londres, cidade de milhões de habitantes e com centenas de teatros e cinemas. Dores do Indaiá nem tinha habitantes: tinha almas, exatas 8.000 almas quando do evento. E só dispunha de um cinema, o Dorense, e me assalta a dúvida: era Cinema Dorense ou Cine Dorense? Também ignoro a diferença entre cine e cinema mas sei com certeza que o tal filme do Amácio Mazzaropi ficou dois anos em cartaz, sempre com a casa lotada.
Foi a obra de arte, a suma definitiva, bastante e completa. Vendo-a, não se precisa ver mais nada. O ``recta ratio factibilium" de Aristóteles encontrou nesse filme total realização. Se programarem ``Sunrise" no cine (ou cinema) Dorense, em duas ou três sessões as almas de lá se darão por satisfeitas. Ao filme de Murnau falta o apelo escolástico de se bastar em si mesmo. Apelo que o filme do Mazzaropi tem de sobra.

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