São Paulo, segunda-feira, 15 de maio de 1995
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A demarcação das terras indígenas no Norte

NEUDO CAMPOS

No momento em que o Congresso avança na reforma constitucional, a questão da demarcação das terras indígenas, no Norte do país, deve merecer a atenção dos parlamentares e ser tratada de maneira racional, sem emocionalismos e, sobretudo, com senso de justiça.
Não podemos nos deixar levar por campanhas calibradas por alta dose de desinformação, principalmente quando, atrás delas, se escondem motivações ideológicas. A demarcação de terras na área de Raposa/Serra do Sol, em Roraima, que vem acendendo o conflito entre fazendeiros e índios, é uma questão que merece ser analisada com isenção.
A área possui 1.347.810 hectares, na região Nordeste de Roraima, limita-se com a Venezuela e a República Cooperativista da Guiana (ex-Guiana Inglesa), e nela estão muitas fazendas de criação de gado. A história da pecuária, na região, tem mais de um século. Índios e fazendeiros, de acordo com relato das duas partes, tinham boa convivência até a chegada de missionários católicos estrangeiros.
Recentemente, episódios envolvendo a queima de pontes de madeira e a derrubada de torres de telecomunicação culminaram com três vítimas, duas delas crianças, marcadas por queimaduras, e a morte de um trabalhador.
Todos somos favoráveis à tese de que os índios precisam legalizar suas terras. Ninguém de bom senso pode ser contrário à idéia de defender os interesses indígenas. O que tem ocorrido é erro de avaliação e de conceito sobre a região.
Os direitos dos colonos remontam há mais de um século. Levantamentos dão conta de famílias centenárias habitando a terra, cultivando fazendas e criando rebanhos. Não se pode esquecer que as terras que se pretende demarcar, de forma contínua, abrigam várias vilas, como Socó, Uiramutã, Água Fria.
Foi uma insensatez, por exemplo, inserir Vila Pacaraima, situada na linha de fronteira com a Venezuela, servida pela rodovia federal asfaltada BR-174, como área indígena na gleba São Marcos. Em 1991, quando tal decisão foi tomada, já havia na região um pelotão do Exército, a companhia telefônica, a companhia de energia, o sistema de abastecimento de água tratada, a agência do banco do Estado, postos da Polícia Federal e das Receitas federal e estadual, quartel e colégios de 1º e 2º graus. Com essa estrutura, trata-se de falácia defender o conceito de área indígena. E isso tem impedido a regulamentação da lei 8.256, que criou a área de livre comércio de Pacaraima.
É preciso, ainda, entender o conflito sob a perspectiva de interesses de grupos. Cerca de 50% das comunidades indígenas são católicas e os outros 50% são evangélicos. Das comunidades católicas, 30% são contrárias à demarcação das terras contínuas, assim como os evangélicos, enquanto 20% seguem a orientação do Conselho Indigenista de Roraima (CIR).
O CIR faz campanha cerrada, com estratégias bem definidas, defendendo a demarcação de terras contínuas para os índios das tribos ingaricó, taurepang, macuxi e wapixana, e a retirada dos colonos, à exceção dos missionários.
O bom senso é sempre deixado de lado. A verdade é que há terra, e muita, para atender aos pecuaristas e aos índios. Mesmo considerando a população indígena em torno de 4.000, segundo a Funai (2.000, segundo os fazendeiros), chegaríamos a 337 hectares por índio, área equivalente a 833 campos de futebol. A demarcação precisa preservar os interesses de todos.
O entendimento é de que os índios devem ficar com as terras de que necessitam e que estão nas aldeias tradicionais, ficando os fazendeiros com as terras que ocupam há muitos anos e que estão afastadas das aldeias indígenas.
É preciso esclarecer, ainda, que grande parte do Estado de Roraima já constitui reserva dos ianomâmis, comunidade de em torno de 5.000 índios que habitam área maior que Portugal.
A questão indígena gera comoção internacional e tem sido utilizada para comprometer a imagem do país no exterior, até chegando a condicionar empréstimos externos. As versões propagadas são unilaterais. Uma imensa tuba de ressonância, partindo de missionários estrangeiros, tem o poder de energizar, imediatamente, a mídia internacional. O polêmico ``massacre" de Hachimu, na fronteira com a Venezuela, é prova disso.
O sentimento do povo de Roraima em relação à demarcação das terras indígenas é bem diferente do sentimento dos grupos internacionais que se conectam aos interesses da região amazônica.
Para a opinião pública nacional, convém esclarecer, ainda, que os índios aculturados, que estão fora da reserva ianomâmi, têm os mesmos direitos dos brancos. Votam e são votados, têm escolas e unidades hospitalares construídas pelo Estado, dispondo também de permanente programa de assistência social. O mesmo não se pode dizer dos ianomâmis, submetidos ao obsoleto sistema de assistência da Funai.
Trazendo nas veias uma porção de sangue índio, tendo nascido e me criado em Roraima, cheguei ao governo do Estado sem ter nunca visto pessoalmente um ianomâmi. Só pelas telas de TV. As outras comunidades indígenas fazem parte de nossa vida e integram o programa educacional do governo. Todas as escolas dentro das comunidades têm predominância de professores índios. Portanto, não se pode confundir tais comunidades perfeitamente aculturadas com os ianomâmis.
O governo do Estado, com apoio das forças políticas, vai empreender esforços para chegar a um ponto de consenso. Não queremos o confronto e temos razões para acreditar na paz entre populações indígenas e fazendeiros.

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