São Paulo, terça-feira, 16 de maio de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Buraco à vista

LUÍS NASSIF

1) Do dia 5 de maio até ontem -dez dias, portanto- as taxas de juros pagas pelo Banco Central comeram todos os recursos que o governo vai apurar com a venda de suas participações minoritárias no setor petroquímico.
2) No mês de maio, o custo da dívida equivalerá a tudo o que foi repassado para a saúde nos primeiros quatro meses do ano.
3) Na semana passada, a coluna estimou que a participação do governo na Vale equivaleria a cinco meses de juros. Enganou-se. Como o volume de dívida interna em poder do público é de US$ 65 bilhões, e com juros de 4% ao mês (em dólar, já que a idéia do BC é manter a paridade atual), o valor da Vale corresponde a 2,7 meses de juros.
4) De hoje a 6 de agosto, os juros terão devorado tudo o que se vai arrecadar com a Vale. Se sua privatização demorar um ano, o mero aumento da dívida interna, com esses juros malucos, corresponderá a seis Vales do Rio Doce.
5) A participação do governo em todo o setor de telefonia corresponde a quatro meses de juros atuais.
Inconsistências
Basta levantar esses números para constatar como são inconsistentes os argumentos do presidente do BC, Pérsio Arida, em favor dessa política monetária irracional.
Diz ele que o governo foi obrigado a adotar uma política monetária drástica para conter a demanda, pela falta de condições de implementar uma política fiscal restritiva (Arida se recusa a aceitar que o objetivo final da contenção da demanda é o equilíbrio da balança comercial e que há receio de mexer na política cambial, após as trombadas de março).
Para que a lógica fosse consistente, a seguinte equação teria que ser correta: aumento do passivo público + câmbio congelado - privatizações - receita fiscal futura = zero. E não é.
O preço das estatais é cotado em dólares, não em reais. Se sete meses com esses juros -e sem ajuste cambial- correspondem a uma Vale + toda a telefonia + petroquímica, onde se fecha a conta?
Também é inconsistente sua alegação de que o governo aumentou o compulsório dos bancos para permitir que parte da dívida pública fosse financiada com esses recursos. Os compulsórios bancários estão sendo remunerados por 100% da taxa do over, porque a regra anterior -de remuneração de 90% do over para parte do compulsório- estava derrubando as taxas dos CDBs.
Toco, totó, calote
O que esse compulsório conseguiu foi interromper completamente o crédito bancário na economia, criando uma crise de liquidez e inadimplência de graves consequências -que, em breve, vai aparecer nas estatísticas. E para quê? Se o preço dessa política será inviabilizar toda política fiscal futura, como se argumenta que ela é uma alternativa a uma política fiscal restritiva?
Como não haverá reforma fiscal e aumento de impostos que dêem conta desse aumento do passivo, não se terá sequer o consolo de que o sacrifício de hoje implicará na redenção de amanhã.
Portanto, a única maneira de fechar a conta, mais à frente, será dar o que os operadores de mercado chamam de mais um toco, ou totó na dívida -calote, em português claro-, transformar tudo em títulos de privatização e, pelo aumento da oferta, derrubar seu valor de mercado.
É bom que o presidente da República acorde enquanto é tempo, já que o anúncio retumbante será dele.

Texto Anterior: UE tem excedente comercial
Próximo Texto: Dallari pede que se evite serviços com preços altos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.