São Paulo, terça-feira, 16 de maio de 1995
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Aos 80, Monicelli já prepara novo filme

HUMBERTO SACCOMANDI
ENVIADO ESPECIAL A ROMA

Mario Monicelli, nascido em 16 de maio de 1915, entra hoje para a seleta lista dos cineastas octogenários ainda em atividade.
Filmando desde os anos 30, ele se tornou um espécie de paradigma, de ponto de referência da comédia italiana.
Fez vários filmes com Tot•, dessacralizou a guerra, a história, o sindicalismo, participou da comédia de costumes dos anos 60 e 70. Recentemente fez ``Parente É Serpente". E continua trabalhando.
Em entrevista exclusiva à Folha, Monicelli defendeu a comédia como arte superior ao drama.
Diz ainda que não tem medo da morte e não pretende se aposentar tão cedo. Seu novo filme será ``Vidas de Homens Não Ilustres".
*
Folha - O sr. sabe que seus filmes fazem sucesso no Brasil?
Mario Monicelli - Não sabia, mas me deixa contente. É possível que haja uma identificação brasileira com a comicidade italiana.
Folha - Qual o segredo da popularidade do seu cinema?
Monicelli - Não é um cinema elitista. Eu gosto de contar histórias simples, do dia-a-dia, com muitos personagens, nas quais as classes mais simples se reconheçam na trama e no ambiente.
Sou de família pequeno-burguesa. Conheço bem essa mentalidade, esses costumes.
Folha - Existe uma estética de Monicelli?
Monicelli - Não sei dizer. A única coisa que realmente me agradaria agora, no final da minha carreira, é que uma pessoa pudesse, após alguns minutos de projeção, dizer que é um filme meu, mesmo sem conhecê-lo.
Espero que haja essa identificação. Não sou muito refinado no enquadramento, na escolha da imagem. Se for reconhecido, será pelo que acontece na imagem.
Folha - Quem e o que influenciou sua carreira?
Monicelli - Fora do cinema, não sei dizer. No cinema, amigos que sempre estiveram ao meu lado, como Sergio Amidei.
Como cinema, fui influenciado pelas farsas que passavam ao final dos velhos filmes mudos americanos dos anos 20.
Eu ia muito ao cinema. Via filmes de ação, faroestes, filmes dramáticos com Mary Pickford ou Douglas Fairbanks.
Mas sempre esperava pelo curta-metragem cômico que passava depois. Buster Keaton, Stan Laurel, etc. Apaixonei-me por isso e achei que faria esse tipo de farsa.
Folha - Nos anos 40 e 50 havia o neo-realismo na Itália, e o sr. fazia comédia com Tot•. Nos anos 60 e 70 havia a vanguarda esteticista, e o sr. fazia comédia. Nunca quis fazer cinema sério?
Monicelli - Nunca. Eu não gostava, não me interessava e não sabia fazer. Acho que um povo maduro, uma pessoa madura não pode tratar um argumento senão através de um véu de ironia.
Não é maduro tratar diretamente, em maneira trágica. Nos povos imaturos, fazem sucesso o cinema e o teatro dramáticos, chorosos.
Quando a cultura fica um pouco mais refinado, torna-se um sucesso o cômico, o divertido.
Folha - Esse prazer de rir de si mesmo é o segredo italiano?
Monicelli - Isso vem da ``commedia dell'arte", que era muito feroz. Seria dos poderosos, dos padres, da Igreja, dos defeitos e dificuldades dos outros.
Isso se tornou natural na cultura italiana. Por isso, sempre me dirigi ao meu público através do filtro humorístico. Para dizer, porém, coisas que são até sérias.
Folha - O sr. então considera a comédia superior ao drama?
Monicelli - Sim, e não somente no cinema, mas em toda a história da arte. Em literatura, sempre se pensa nos escritores dramáticos, mas foram realmente grandes Cervantes, Shakespeare, Swift, Dante. A comédia é o que há de maior.

LEIA MAIS
sobre a entrevista do cineasta Mario Monicelli à pág. 5-4

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