São Paulo, terça-feira, 16 de maio de 1995
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Apertem os cintos

ANDRÉ LARA RESENDE

Segundo dados recém-divulgados, a economia norte-americana teve uma taxa de crescimento anualizada de pouco menos 3% no primeiro trimestre deste ano. Uma queda expressiva em relação aos quase 6% do último trimestre do ano passado.
Preocupante? Uma recessão estaria a caminho e o governo, em busca de medidas para evitá-la? Pois então surpreenda-se com a reação do ministro do Comércio, Ron Brown: ``A notícia de que a economia está a caminho de um ritmo de crescimento mais próximo do sustentável a longo prazo é bem-vinda".
Antes de concluir que economista é tudo igual, aqui e nos Estados Unidos, sem alma, contra o consumo e a melhora do padrão de vida, vamos lembrar que existem essencialmente três maneiras de aumentar o consumo: importar mais, produzir mais bens de consumo e menos bens de capital, ou aumentar a produtividade.
A primeira e a segunda são opções míopes. Importar mais bens de consumo, sem aumentar a exportação, significa se endividar com o exterior sem aumento correspondente do investimento e, muito rapidamente, ser obrigado a consumir ainda menos. Reduzir a produção de bens de capital e, portanto, o investimento é sacrificar a capacidade de consumir no futuro.
Maior produtividade é, portanto, o único caminho para aumentar o consumo de forma permanente e sustentável. A educação e o aumento da taxa de poupança e investimento são a chave do crescimento da produtividade. Toda tentativa de aumentar o consumo a curto prazo, através da redução da taxa de poupança e do aumento do déficit comercial, irá, fatalmente, implicar consumo ainda menor à frente.
Ao esbarrar numa das duas limitações, a capacidade de produção doméstica ou a capacidade de financiar importações, que, cedo ou tarde, se fazem sentir, a economia sofre um duro baque. A incômoda convivência da inflação com a recessão vem, inevitavelmente, em seguida. Tomar medidas para evitar surtos de consumo, ao contrário do que pode parecer, é uma medida anti-recessiva. É uma tentativa de evitar a recessão e o desemprego mais à frente.
Desde o lançamento do Real houve um fortíssimo aumento do consumo. Explicável e, até certo ponto, previsível. A estabilidade dos preços devolve aos assalariados o poder aquisitivo que o ``imposto inflacionário" lhes tomava.
Os mais afetados eram os mais pobres, sem acesso aos sofisticados mecanismos de indexação financeira com os quais os mais ricos aprenderam a se defender da inflação. Próximos da linha de necessidade absoluta, tendem a consumir todo e qualquer aumento de renda.
Cabe ao governo fazer sua parte no ajuste de fundo: reduzir os gastos e aumentar a poupança pública. Até lá, não há como evitar a bateria de medidas monetárias de eficiência duvidosa e efeitos colaterais complicados. Infelizmente, como a economia andou forte demais, é muito pouco provável que a aterrissagem seja suave. Mas, por favor, não vamos culpar a tentativa de moderar o crescimento da demanda.

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