São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 1995
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Cannes-95 traz vigor do cinema centenário

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

O cinema, 100, desmente os boatos e passa bem. Este parece ser o lema do 48º Festival Internacional de Cinema de Cannes (França) em sua edição do centenário do filme.
O principal evento do gênero no mundo será aberto hoje pela superprodução francesa ``La Cité des Enfants Perdus", de Jean-Pierre Jeunet e Marc Caro, a mesma dupla da comédia ``Delicatessen".
Cannes tem até seu encerramento, no domingo, dia 28, com o faroeste ``Rápida e Mortal", de Sam Raimi, para provar sua tese.
Não parece ser difícil. A disputa pela Palma de Ouro reúne a melhor seleção recente de 24 candidatos (veja quadro abaixo).
Mesmo cuidados diplomáticos, como o de garantir na competição um equilíbrio geopolítico entre os representantes de todos os continentes, foram deixados para trás.
Para obter uma fortíssima concorrência, Cannes rompeu com o politicamente correto. Apenas quatro dos filmes que disputam o prêmio máximo não são europeus ou americanos. Não há qualquer concorrente brasileiro ou hispano-americano. Metade dos selecionados é falada em inglês.
Favoritos? Quase metade da lista. A ascendente carreira do britânico Ken Loach (``Ladybird, Ladybird") pode levar à aposta em ``Land and Freedom", drama sobre a guerra civil espanhola.
``Le Regard d'Ulysse" foi a mais acidentada produção já dirigida pelo grego Theo Angelopoulos (``Paisagem na Neblina"), mas seu currículo e sua recente colaboração em ``O Passo Suspenso da Cegonha" (1991) com a presidente do júri, a atriz Jeanne Moreau, por certo vão pesar.
O bósnio Emir Kusturica é o único concorrente que já tem uma Palma de Ouro, mas ``Underground", com suas mais de três horas rodadas nos epicentros do Leste Europeu, concentra as principais expectativas do festival.
Estrelado por Gena Rowlands, ``The Neon Bible" promete muito na estréia nos EUA de um dos mais originais cineastas britânicos, Terence Davies, do autobiográfico ``O Fim do Longo Dia".
O cinema americano garante ainda o mais metacinematográfico concorrente deste centenário, ``Ed Wood", do gótico Tim Burton (``Batman"). Uma improvável vitória, mais que uma zebra, seria um manifesto de cinefilia.
Os quatro concorrentes fora do eixo Bruxelas-Los Angeles também podem surpreender. O cinema asiático concorre com três de seus mais fortes cartuchos: o chinês Zhang Yimou (de ``Lanternas Vermelhas"), o formosino Hou Hsiao Hsien (de ``O Mestre das Marionetes") e o japonês Masahiro Shinoda (de ``Duplo Suicídio em Amijima").
Souleymane Cissé (de ``Yeelen") é praticamente sinônimo do melhor cinema africano.
Em sintonia com a anglofilia da competição, os quatro filmes hors-concours da selecão oficial vêm dos EUA. O mais aguardado é ``Desperado", primeiro filme de Robert Rodriguez (``El Mariachi") em um grande estúdio.
Outro independente que marca presença é Gus Van Sant com ``To Die For". Na mesma escola há ainda ``Tue Usual Suspects", de Bryan Singer, um dos destaques do último Sundance Film Festival. Fecha a lista o fraquíssimo ``remake" de Barbet Schroeder para o policial noir ``O Beijo da Morte".
Com um programa oficial deste porte, que eclipsa todas as mostras paralelas, Cannes assumiu uma trilha oposta à das celebrações mais correntes do centenário do cinema -apesar de não esquecê-lo (leia texto abaixo).
Não cede à nostalgia, como se viu no último Festival de Berlim, e tampouco arrisca-se em profecias. O principal encontro anual de cinema cacifa os filmes da hora. No papel, a ousadia já venceu. A partir de hoje, o teste é na tela.

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