São Paulo, quarta-feira, 17 de maio de 1995
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Órgãos; Espaço

Órgãos
``É com o respeito de quem, como assinante da Folha há muitos anos e que aprecia a liberdade de imprensa e o acesso quase que irrestrito do público às informações, mas também com grande revolta e indignação, que manifesto meu repúdio à irreparável irresponsabilidade, talvez não intencional, de uma reportagem desse matutino. Na pág. 3-4, caderno Cotidiano de 15/5, assinado pelo repórter Sérgio Torres, encontra-se extensa matéria sobre supostos tráficos de órgãos. Não parece possível ao final de toda a leitura, a qualquer um, concluir pela veracidade ou não dos fatos, uma vez que nenhum caso sequer foi adequadamente documentado. Entretanto, sem dúvida, informações dessa natureza assustam, alarmam e revoltam. A ponto de, de forma incomum, senão excepcional, virmos experimentando recusa familiar na doação de órgãos seguidamente nas últimas semanas. Com absoluta certeza, o sr. Torres nunca se familiarizou com a estrutura necessária à realização do procedimento cirúrgico mais complexo da medicina contemporânea, o transplante de fígado. Se o tivesse feito, sem dúvida, não teria sequer cogitado acerca da possibilidade de que esse pudesse ser realizado em hospitais clandestinos. Com uma necessidade estimada em 15 transplantes/milhão de habitantes/ano, pode-se afirmar com segurança que, em nosso país, a grande maioria dos portadores de doença hepática morre sem ter a chance do transplante. Como guia para comparação, têm-se realizado cerca de 20 a 50 transplantes de fígado anualmente em nosso país, e cerca de 3.500 ao ano nos Estados Unidos. Isso se deve, em grande parte, ao `incansável serviço' da imprensa americana, que mantém a doação e os transplantes sempre vivos na memória do povo, o que contrasta com o `descaso e desserviço' da imprensa brasileira, em geral, infelizmente, mais interessada em sensacionalismo. Para vossa informação, nosso serviço realizou 27 transplantes no Hospital Alemão Oswaldo Cruz em São Paulo entre julho de 1992 e dezembro de 1994, tendo ocorrido cinco óbitos. Com doentes graves e não selecionados, esses resultados são comparáveis às melhores estatísticas internacionais. Entretanto, após a perda de sete pacientes na lista de espera, sem a chance do transplante, e tendo no presente momento dois pacientes internados em estado grave (sem condições de deixar o hospital), bem como vários aguardando em casa ou em acomodações nos arredores do hospital, é revoltante observar que um dos mais importantes veículos de comunicação de nosso país, literalmente, `joga contra'. O fardo da espera pelo órgão, o que muitas vezes leva ao óbito, é do paciente e seus familiares, mas o ônus dessa espera, às vezes eterna, é compartilhado, em todo seu sofrimento, com os membros das equipes médicas. Se a imprensa exercesse uma pequena contribuição e compartilhasse ao menos por instantes desse sofrimento, por certo milhares de pessoas seriam beneficiadas. Cabe à Folha a responsabilidade pelas informações prestadas a qualquer tempo, e tal responsabilidade, como profissional e como ser humano, é extensiva ao repórter Torres. Se for do interesse do sr. Torres tomar conhecimento sobre a realidade dos fatos relacionados aos transplantes de órgãos no Brasil, há entidades oficiais e representativas com estatísticas oficiais no que se refere a doações, transplantes realizados etc. Senhores diretores, sr. Sérgio Torres: nunca é tarde para colaborar. Esses dois pacientes a quem me refiro acima estão à disposição da Folha, se assim desejarem, para comprovar a veracidade dos fatos. Quatro doadores potenciais, compatíveis com ambos ou outros, não tiveram órgãos utilizados nos últimos dois dias por recusa familiar na doação. E como eles, seguramente, há tantos outros em outras instituições. Esperando poder contar com o `serviço' da imprensa, ao invés do contrário, e à disposição para qualquer informação eventual, peço desculpas pela forma agressiva da colocação dos fatos e agradeço a atenção."
Mauricio Fernando de Almeida Barros, cirurgião da clínica Pró-Fígado (São Paulo, SP)

Nota da Redação - Os textos publicados deixam claro que o que existe em Carapicuíba são boatos e que a polícia local não registrou nenhum caso de criança desaparecida nas duas últimas semanas. A Folha não trata com ``descaso" os problemas enfrentados por quem espera um transplante. No dia 15 de abril, editorial do jornal defendeu alteração na legislação para que os órgãos de um morto sejam automaticamente doados. No dia 6 de maio foi publicada uma pesquisa Datafolha que revelou que 75% dos paulistanos estão dispostos a doar órgãos, mas que 63% não sabem o que deve ser feito em vida para autorizar a doação.

Espaço
``O sr. Luís Nassif, em sua coluna do dia 1/5, nesta Folha, se pôs a reclamar do espaço que as posições da Central Geral dos Trabalhadores vem tendo nos jornais, e, valendo-se de declarações de pessoas ligadas à Força Sindical, afirma que a central e a Federação Sindical Mundial não têm representatividade. Como dirigente sindical, acompanho o trabalho que a central vem realizando, no qual vejo o esforço de sua direção, em particular do sindicalista Antonio Neto, em expressar o anseio e as aspirações dos trabalhadores e de suas lembranças. A central tem pautado sua atuação na defesa dos direitos dos trabalhadores, do patrimônio público e no fortalecimento do movimento sindical defendendo a unicidade sindical. Ao não discutir as posições da central, o que faz o sr. Nassif é fugir do debate e tentar cercá-lo, coisa que cabia bem na época da ditadura e que só interessa aos cartéis e monopólios privados. Aliás, para ele (Nassif) só deve ter mesmo espaço quem defende as posições dos cartéis e monopólios. Quanto à representatividade da central, quero dizer que pelas posições do que defende e a seriedade de sua direção é que a Federação dos Comerciários do Pará e Amapá, com 22 sindicatos em sua base, está discutindo sua filiação à central. Mas, desde já, estamos juntos pela defesa da unicidade sindical, do patrimônio público, dos monopólios estatais, da Previdência Social."
José Francisco de J. P. Pereira, presidente da Federação dos Trabalhadores no Comércio do Estado do Pará e Amapá (Belém, PA)

Resposta do colunista Luís Nassif - No episódio da privatização da CSN, o colunista entrou em guerra com Luiz Antônio Medeiros, da Força Sindical, e teve ao seu lado o sindicalista Antonio Neto. Agora se inverte a situação. Em ambos os episódios não consegui identificar em Antonio Neto uma só idéia aproveitável. Se a prestigiosa Federação dos Trabalhadores no Comércio do Estado do Pará achar alguma, que me informe para pronta divulgação.

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