São Paulo, sexta-feira, 19 de maio de 1995
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A Justiça por ela mesma

JANIO DE FREITAS

Traduzidos, alguns trechos do empolado discurso de posse do ministro Sepúlveda Pertence na presidência do Supremo Tribunal Federal revelam atenção, e prometem correção, para a parte de responsabilidade que o Judiciário tem na ``persistência dos mais cruéis indicadores da iniquidade de nossa ordem social". Das palavras aos atos dos que chegam às culminâncias de poder, a distância tem o tamanho da história do Brasil. Mas as palavras críticas são sempre melhores do que o silêncio, porque fortalecem outros críticos anteriores e mais autorizam as cobranças futuras, se necessárias.
Estas ``críticas de toda sorte" ao Judiciário, ``quando não agressões", no entanto, são divididas por Sepúlveda Pertence entre as que se originam de ações ``conjuradas", as que são ``apenas emocionais" e as ``ardilosamente calculadas". Sérias, factuais, bem-intencionadas, somos forçados a deduzir, só as suas. É uma das tantas exclusividades privilegiosas que têm os magistrados dos altos tribunais. E as têm, nestes tempos, mais do que nunca.
Pouco letrado, não entendi o que significa a ``exatidão objetiva" que o novo presidente do STF identificou em ``muitos dos seríssimos vícios atribuídos à prestação dos serviços judiciários no país". Mas não se exigem muitas letras para entender que Sepúlveda, como qualquer dos ``homens do povo" (expressão dele), considera que tais vícios vão ``da má distribuição dos recursos" à ``crescente lentidão das decisões", assim como à ``carestia do processo". Daí, também a seu ver, não decorre só ``a ineficácia" da Justiça. Decorre, também, ``o resultado frequentemente iníquo e socialmente discriminatório da ação da Justiça no Brasil".
Se é assim, ou os críticos anteriores do Judiciário não estão ``conjurados", não são apenas ``emocionais" e nem agem ``ardilosamente", ou, o que não se pode admitir, o presidente do STF estaria em uma das três categorias, senão nas três. Confraternizados com o ministro no conteúdo crítico, embora simplórios na linguagem, nós outros já temos aí o que saudar na nova presidência do STF. E, razão para dar interpretação tranquila à sua afirmação de que ``é preciso (ao Judiciário) reagir", e ``sem tardança", às críticas. Já se sabe que lhe poderemos responder com suas próprias palavras.
Foram muitos os trechos reconfortantes do discurso de posse. E sob vários aspectos. Até pessoais. Se, por exemplo, aos meus defeitos se juntasse o de ser juiz do Tribunal Superior do Trabalho, tomaria como dirigida também a mim esta desconfortável sentença final de Sepúlveda Pertence: ``Se é certo que onde faltar a democracia não há Justiça que mereça o nome, também é verdade que não haverá democracia verdadeira onde faltar tribunais independentes para, quando o impuserem a Constituição e as leis, contrariar as injunções da maioria política da conjuntura do dia".

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